Meditar para relaxar
A “mente vazia” é, na verdade, altamente focada, sem o burburinho incessante natural do dia a dia
Suzana Herculano-Houzel
Talvez você não saiba, mas “entra em alfa” várias vezes por dia, sem precisar fazer curso de relaxamento: toda vez que fica à toa, relaxado, de olhos fechados, sem pensar em nada em particular. Pode parecer termo new age, mas o “alfa” é neurociência pura. A primeira letra do alfabeto grego foi a escolhida pelo psiquiatra alemão Hans Berger para descrever as 10 a 15 ondas elétricas por segundo, que podem ser captadas por eletrodos na superfície da cabeça, produzidas pelo cérebro quando está em “ponto morto”, acordado mas relaxado, pronto para fazer alguma coisa mas ainda não fazendo nada em particular.
Nada mais diferente do que ocorre durante a meditação. Ainda que para um observador externo a pessoa relaxada e a pessoa em estado meditativo pareçam semelhantes, caso estejam deitadas e de olhos fechados, a diferença no funcionamento do cérebro é clara. Na meditação, as ondas elétricas produzidas pelo cérebro não são alfa, mas de outro tipo, gama: mais rápidas, oscilando 40 a 50 vezes por segundo – exatamente como no estado acordado e concentrado. De fato, ao contrário do relaxamento, a meditação é um estado de intensa atenção focada de maneira sustentada em um único processo: uma imagem, mantra, sua própria respiração, ou sentimentos de compaixão.
É essa atenção focada que permite que todas as distrações, externas e internas, sejam silenciadas durante a meditação e deixem de afetar o fluxo natural dos pensamentos. O foco interno da atenção significa que distrações externas, e mesmo outros pensamentos, são ignorados, enquanto o cérebro suprime ativamente ações motoras e mentais. Emoções perdem a vez (exceto se a compaixão for o seu foco), e eventualmente até os limites do corpo parecem se dissolver: no estado meditativo, somente um pensamento existe. Esta é a “mente vazia” da meditação: na verdade, uma mente altamente focada, sem o burburinho incessante natural do dia a dia.
Chegar a esse ponto requer um baita esforço dos principiantes, claro. Mas como tantas outras coisas, a prática permite ao cérebro mudar a si mesmo, e assim o enorme esforço cerebral para manter a atenção hiperfocada vai deixando de ser necessário durante a meditação. Para os experts, como monges tibetanos com dezenas de milhares de horas de prática, esse estado de atenção focada vem naturalmente. Nesse estado, com as preocupações do dia silenciadas, as respostas ao estresse diminuem, a imunidade aumenta: a calmaria na mente se estende ao corpo.
Para quem anda atribulado e assoberbado pela vida, a meditação pode ser aquela pausa bem-vinda para “zerar” o cérebro e conseguir, ainda que por alguns instantes, suprimir todos os pensamentos angustiantes. O curioso – e ainda melhor – é que, com a prática, o controle e a paz que se alcançam durante a meditação transbordam para os outros momentos da vida.
Com a prática, mesmo fora do estado meditativo a capacidade de atenção focada aumenta nitidamente; melhora a capacidade de suprimir pensamentos negativos e as emoções associadas; e o corpo ganha mais paz, através de uma maior ativação do sistema parassimpático, o que torna a resposta ao estresse mais controlada e saudável.
E não, você não precisa se tornar um monge tibetano para gozar dos benefícios da meditação. Um estudo mostrou que os efeitos sobre corpo e mente já são notados com – pasme – cinco dias de prática. Quem diria: o caminho para o relaxamento passa pela atenção extrema.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/relaxamento_e_meditacao.html