Do encurtamento de mensagens à aceleração de pessoas
A evolução das tecnologias de comunicação reflete uma transformação profunda em nossa relação com o tempo. Nos anos 2000, a limitação de caracteres no SMS e a popularização do internetês (“vc”, “pq”, “kd”) simbolizavam a necessidade de otimizar a comunicação. Hoje, a velocidade substituiu a brevidade: aceleramos áudios, pulamos vídeos com skip intro e consumimos conteúdos em fast mode, como se a lentidão fosse um erro de programação. Essa mudança, segundo o filósofo Byung-Chul Han em Sociedade do Cansaço (2010), está ligada à internalização da lógica capitalista, que transforma até o lazer em uma corrida contra o relógio.
A aceleração das mensagens foi só o primeiro passo. Estudos da Universidade da Califórnia (2015) apontam que a exposição constante a estímulos rápidos reduziu nossa capacidade de atenção de 12 para 8 segundos — menos que a de um peixe dourado. Plataformas como TikTok e Reels exploram essa dinâmica, condicionando o cérebro a buscar gratificação imediata. Como explica a psicóloga Carla Furtado, “encurtar palavras era sobre adaptação; acelerar a vida é sobre aderir a uma norma social que glorifica a urgência”. O resultado? Relações fragmentadas, diálogos truncados e uma sensação crônica de atraso, mesmo quando “ganhamos” tempo.
A pressão por eficiência extrapolou as telas e colonizou a subjetividade. No trabalho, softwares de produtividade monitoram cada minuto, enquanto na vida pessoal, aplicativos de dating incentivam encontros rápidos e descartáveis. Para o sociólogo Hartmut Rosa, autor de Aceleração (2013), vivemos uma “ditadura do presente”, onde o futuro é devorado pela ansiedade de cumprir metas no agora. Não à toa, a Síndrome de Burnout foi reconhecida pela OMS (2019) como fenômeno ocupacional: acelerar-se tornou-se uma forma de autoviolência disfarçada de conquista.
Paralelamente, a cultura da aceleração redefine valores sociais. A paciência, antes virtude, é lida como passividade, e a profundidade intelectual perde espaço para o fast knowledge. Pesquisa da FGV (2023) revela que 68% dos brasileiros consideram “improvável” ler um livro inteiro, preferindo resumos em áudio acelerado. Até a saúde virou alvo: cirurgias plásticas com recuperação expressa e dietas detox de 3 dias prometem transformações sem tempo para reflexão. Como ironiza o escritor Mia Couto: “Estamos nos tornando humanos de uso único”.
Diante desse cenário, surgem resistências. Movimentos como o Slow Living e o JOMO (Joy of Missing Out) pregam a desconexão como forma de resgatar a autenticidade. No Brasil, projetos como o Desacelera SP, liderado por Michelle Prazeres, promovem oficinas de “detox digital” para questionar a tirania do imediatismo. A chave, como propõe Han, está em distinguir entre “velocidade instrumental” (ferramenta) e “velocidade existencial” (que esvazia a vida). Encurtar mensagens foi um recurso; acelerar a si mesmo é uma armadilha. Reconhecer essa diferença talvez seja o primeiro passo para frear a corrida — antes que o tempo nos reduza a meros caracteres em uma tela.