Quando o assunto é a percepção da dor

 

Percepção da dor varia de acordo com a cultura, diz especialista

Em entrevista, presidente de simpósio fala sobre caráter subjetivo da dor. O pesquisador aponta a automedicação como grande problema no Brasil. 

Por Mariana Lenharo 

Para o neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, viver sentindo dores não é normal. O especialista, que preside o Simpósio Brasileiro e Encontro Internacional sobre Dor (Simbidor), evento que teve início nesta quinta-feira (7) em São Paulo, afirma que é possível reduzir ou até eliminar as dores crônicas com o tratamento adequado.

Em entrevista, ele comentou sobre os principais avanços em tratamentos, sobre os perigos da automedicação e sobre a diferença na percepção da dor entre as diferentes culturas.

O que se tem pesquisado sobre o fator subjetivo da dor? Por que pessoas reagem de maneiras diferentes a um mesmo estímulo doloroso?

Existem pesquisas, mas é uma área muito difícil de se chegar a conclusões porque não há dados concretos. Isso depende muito da cultura e da forma com que a pessoa foi criada. É sabido, por exemplo, que os orientais têm muito mais disciplina na manifestação de um quadro de dor do que os latino-americanos, de maneira geral. Os primeiros não demonstram com tanto “colorido emocional” que estão sofrendo determinada dor. Já os latino-americanos, quando chegam a um ambiente e começam a contar sobre uma dor, todos percebem porque falam alto, reclamam e gesticulam.

Se você propõe uma escala imaginária de 0 a 10 – 0 sendo a ausência de dor e 10 a dor máxima – tem pessoas que com 0,5 já não suportam viver dessa maneira. E tem pessoas que, nessa mesma escala, com nota 6 ou 7 vão trabalhar todo dia e ninguém nem sabe que ela sente dor. 

A dor é muito mais comportamental do que qualquer outra coisa porque as diferentes percepções vão trazer significados completamente distintos para a dor de cada um." Claudio Fernandes Corrêa 

É muito mais comportamental do que qualquer outra coisa porque as diferentes percepções vão trazer significados completamente distintos para a dor de cada um. O que acaba com a vida de um, para o outro, ele continua fazendo suas atividades diárias habituais. O médico tem que ter a percepção de tudo isso. 

O que há de mais promissor em pesquisas sobre dor?

A maior parte das dores crônicas são as chamadas neuropáticas, decorrentes de lesão do sistema nervoso. A lesão do sistema nervoso, principalmente quando é central, não tem recuperação. O mais empolgante hoje é o desenvolvimento de tratamentos com células-tronco que possam tratar a lesão primária e, aí sim, recuperar o paciente. Com toda a franqueza, mesmo sendo um otimista, eu acho que isso não vai acontecer em menos de 10, 15 ou 20 anos. Porque não é simplesmente pegar uma célula chamada célula pluripotente – capaz de se transformar em outras células – que está resolvido o problema. O grande problema é o fator de manutenção dessas células vivas.

É mais ou menos como se você pegasse uma semente e colocasse em um terreno árido. Pelo conteúdo dela, ela vai germinar e vai crescer um pouco, mas quando acabarem os nutrientes, vai morrer. A grande questão é o fator de crescimento ou a manutenção dessa célula tronco, que foi transplantada e modificada por um neurônio recuperando o tecido lesado. Esse desafio ainda é constante e é o maior convergente dos grandes estudos. Porque, aí sim, você poderia falar em cura dessas dores crônicas chamadas neuropáticas que hoje ainda não apresentam solução. 

A questão da automedicação é um problema no tratamento das dores?

A automedicação é um equívoco que acontece em países subdesenvolvidos porque a pessoa não tem tempo, disponibilidade ou dinheiro para buscar um médico. Com a melhor das intenções, ela escuta um parente ou amigo que diz que já teve aquele problema e que tomou determinado remédio. 

O problema é que os remédios, quando corretamente administrados, têm benefícios, mas eles também podem ter efeitos colaterais. E quando mal indicado, além de não trazer benefícios, eles podem às vezes encobrir um diagnóstico que, se fosse feito precocemente, poderia ter mais chances de cura.

Vamos pegar um caso de dor de cabeça provocada por um tumor cerebral. Se a pessoa ficar se automedicando por muito tempo, significam meses a mais sem fazer diagnóstico. Se o tumor fosse identificado três meses antes, poderia ter resultado em um excelente de tratamento. Quando a coisa está mais avançada, a possibilidade de resolver o problema é menor.

Os idosos, por exemplo, têm dor pelos processos degenerativos da coluna e das articulações de modo geral. Muitos fazem uso constante de anti-inflamatório. Isso pode comprometer a função renal, levar a um quadro de insuficiência e precipitar seu tempo de vida.

Uma cefaleia, que seria tratada sem grandes dificuldades, pode se transformar em uma cefaleia crônica diária a partir do uso abusivo de analgésico. Essa condição é muito mais complexa de ser tratada e resolvida. Às vezes, é preciso internar o paciente para fazer um desmame do uso abusivo de analgésicos.

A automedicação dificulta o diagnóstico precoce, retarda um tratamento que poderia ser efetivo, além de trazer grandes prejuízos em outros setores do corpo humano. 

O que o leigo precisa saber sobre dor?

Eu acho que o leigo precisa entender que não precisa viver sofrendo dores, ele pode ter sua dor reduzida ou eliminada muitas vezes. Eu falo isso principalmente para aqueles que têm a dor do câncer. Muitas vezes – eu já convivi com muitos desses casos – o médico pergunta e eles têm até medo de contar que têm a dor do câncer, com medo de o oncologista esquecer o tratamento do câncer por causa do tratamento da dor.

Pelo contrário, um paciente que tenha uma doença oncológica que já esteja depauperado fisicamente, emocionalmente e ainda sofrendo com dor vai dormir menos, comer menos, assimilar menos o tratamento. Há um tabu muito grande em tudo isso. As dores não podem ser automedicadas e as pessoas devem procurar seu médico de confiança, não precisa ser um especialista em dor.

Sentir dor não é normal nunca. Tem a dor fisiológica que você sente se tiver um trauma jogando futebol, por exemplo. Se não tivesse dor, iria continuar jogando e lesar vasos, músculos e ligamentos. A dor é um alerta fundamental sem a qual o ser humano dificilmente sobreviveria. Agora, em algumas situações, a dor perde o caráter de alerta e passa a ser uma doença. Então é preciso procurar um recurso, não fazer automedicação e receber um tratamento adequado.  

Fonte: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2013/11/percepcao-da-dor-varia-de-acordo-com-cultura-diz-especialista.html

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