Ecologia com IA: nosso futuro?

 

O Futuro é Verde Digital: convergência das agendas climática e IA é estratégica para pensar o futuro

A inteligência artificial é pouco considerada nas reflexões éticas e sociais dos pensadores das questões climáticas — e é urgente mudar essa visão 

Por Dora Kaufman - professora do TIDD PUC - SP, pós-doutora COPPE-UFRJ e TIDD PUC-SP, doutora ECA-USP com período na Université Paris – Sorbonne IV. Autora dos livros “O Despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais”, e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana?”. Professora convidada da Fundação Dom Cabral 

Em 20 de novembro passado, projetada pelo premiado escritório de arquitetura Rockwell Group, inaugurou no Arts - Industries Building, Washington, a exposição “Futures”. Com arte e tecnologia, o evento projeta o próximo capítulo da humanidade: "Sinta o cheiro de uma molécula. Limpe suas roupas em um pântano. Medite com um robô de IA. Viaje pelo espaço e pelo tempo", anuncia a curadoria. Um dos cenários é o “Futures that Work”, que apresenta, entre outras invenções, o “Virgin Hyperloop”, tubo de vácuo para transporte de passageiros encurtando distâncias de horas para minutos; o “Ecos BioReactor", reator que captura carbono do ar e converte em biomassa; o “Mineral Rover”, sistema que provém a quantidade de minerais e água necessários para cada planta (personalização); e o "Waha Water Harvester", equipamento, movido a energia solar, que puxa água diretamente do ar. São “futuros" sustentáveis e intensivos em tecnologia.

A simples substituição de viagens de negócio por videoconferências tem efeito benéfico sobre a pegada de carbono, ilustrando a interdependência entre sustentabilidade e tecnologia. Esse exemplo consta do documento “Shaping Europe's Digital Future”, lançado pela Comissão Europeia em fevereiro de 2020 . O documento enfatiza a relevância das tecnologias digitais para o “Acordo Verde Europeu” e para os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, ou seja, para a economia circular, a descarbonização, e a redução da pegada ambiental e social dos produtos, particularmente em setores-chave como agricultura de precisão, infraestruturas inteligentes de transporte e energia. Para Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão, trata-se de um duplo desafio: transição verde e digital.

Alinhado com essa tendência, o documento “Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030” - lançado no espaço “Brazil Climate Action Hub” na Cop 26, Glasgow, Escócia (31/10 à 12/11/2021) -, tem como principal objetivo propor caminhos de transição do modelo atual de desenvolvimento do Brasil para um modelo de zero emissões líquidas de carbono. O foco do documento, do ponto de vista de ações a serem implementadas, contempla monitorar o desmatamento, promover o crescimento econômico, incentivar a agricultura sustentável, e otimizar e diversificar os modos de transporte de carga e transporte público, metas viabilizadas, em parte, por modelos de IA. Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a abrangência desses objetivos significa, na prática, refundar as bases da economia: “Não estamos propondo uma transição só de fontes energéticas. Mas também uma transição de empregos, uma transição de modelos de negócio, uma transição de modelo de país. É disso que estamos falando”.

O artigo “The role of artificial intelligence in achieving the Sustainable Development Goals”, publicado em 2020 na Nature Communications, aborda as contribuições da IA para o cumprimento dos 17 objetivos e 169 metas de Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Com 10 autores, dentre eles Virgínia Dignum e Max Tegmark, o artigo analisa, com base em pesquisas empíricas, os impactos positivos e negativos da IA em três pilares - Sociedade, Economia e Ambiente. No pilar “Ambiente”, o estudo identificou 25 alvos, 93% do total, para os quais a IA poderia atuar como um facilitador, com destaque para a compreensão e modelagem dos possíveis impactos das mudanças climáticas.

A crescente visibilidade das temáticas clima e IA transcende o âmbito dos especialistas: o Google Trends indica um aumento significativo, a partir de 2019, no interesse dos brasileiros pelo termo “inteligência artificial” (mudança de patamar de volume de busca). Em paralelo, estudo publicado recentemente pelo Google mostra um aumento de 247% nas buscas por assuntos relacionados à crise climática, sendo que 88% dos usuários consultados acreditam que as empresas/marcas devem agir para amenizar os efeitos da crise ambiental.

As tecnologias de IA permitem extrair informações úteis de grandes conjuntos de dados gerados por sensores alocados estrategicamente e, com base neles, dentre outras ações, alimentar os sistemas de monitoramento de desmatamento e degelo, e identificar as correlações entre regiões aparentemente não-correlacionadas; por exemplo, os efeitos dos eventos no deserto do Saara sobre a Amazônia (muito bem retratados no documentário “Mundo Conectado", Netflix). O uso mais eficiente dos recursos naturais passa, igualmente, pelas tecnologias de IA, assim como as chamadas “smart sustainable cities” (monitoramento da mobilidade urbana/ gerenciamento de tráfego, gestão eficaz das infraestruturas e serviços como energia e saneamento básico).

A plena concretização da agenda climática depende do uso intensivo de tecnologias de IA, com impactos éticos e sociais. No âmbito social, destacam-se os efeitos diretos e indiretos sobre o trabalho: a) deslocamento do trabalhador com a substituição por automação inteligente em um conjunto crescente de funções; b) efeito negativo sobre a renda, ao aumentar a competição pelas funções remanescentes preservadas, por enquanto, aos humanos; e c) mudança na interface homem-máquina em larga escala demandando qualificação e requalificação, o que remete à formação/educação (e não simples treinamento). Na próxima década, uma parcela não desprezível das novas funções será em ocupações totalmente novas ou ocupações existentes com conteúdos e requisitos de competências transformados, dentre outras, pela "economia verde” e "economia de dados" (IA). Igualmente em comum, emergem várias questões éticas, como privacidade e transparência, no uso de dados pessoais e nas decisões automatizadas.

A sociedade encontra-se em um ponto crítico das duas agendas - mudanças climáticas e tecnologias de IA - ambas estratégicas para garantir um futuro sustentável para a humanidade. Atualmente, a IA é timidamente considerada nas reflexões éticas e sociais dos pensadores das questões climáticas; prevalece uma abordagem “instrumental" da IA. É urgente mudar essa visão e estabelecer uma sólida aliança entre as duas agendas.  

Fonte: https://epocanegocios.globo.com/colunas/IAgora/noticia/2021/12/o-futuro-e-verde-digital-convergencia-das-agendas-climatica-e-ia-e-estrategica-para-pensar-o-futuro.html

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