O Jogo Patológico

O Dr. Dráusio Varella entrevista o Dr. Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria de Universidade de São Paulo.

Muita gente gosta de se reunir com os amigos e familiares nos finais de semana para jogar um baralhinho. Alguns, porém, só acham graça quando jogam a dinheiro. Às vezes, as apostas começam baixas, mas vão ficando mais pesadas, até que as pessoas começam a endividar-se e entram num processo patológico gravíssimo que causa sérios danos para elas e para a família.

A tendência ao jogo patológico não significa falta de caráter ou fraqueza moral. É uma doença comportamental semelhante à dependência química dos usuários de álcool e outras drogas e, como elas, tem tratamento. O ideal é que os familiares e o próprio jogador patológico se convençam de que devem admitir o problema e procurar a orientação de profissionais especializados em saúde mental. O jogo patológico é um transtorno psiquiátrico e não um desvio de caráter. Encará-lo de outra forma só trará dissabores e sofrimento.

CARACTERÍSTICAS DO JOGADOR PATOLÓGICO

Drauzio – Como podemos diferenciar o jogador patológico daquele que joga só para se distrair?

Hermano Tavares – O jogador patológico perdeu a dimensão do lazer, do entretenimento. Jogar não é mais uma coisa que faz para divertir-se. Costumo dar o seguinte exemplo: o indivíduo vai ao cinema com a namorada, compra os ingressos, pipoca, refrigerante e paga para guardar o carro no estacionamento. Na saída diz – “Puxa, que azar! Gastei R$ 50,00 e o filme não valeu a pena!” -, mas não volta depois para recuperar o que gastou. Com o jogador patológico, é diferente. Digamos que tenha despendido os mesmos R$ 50,00 para divertir-se numa mesa de jogo. Não passa por sua cabeça que gastou essa quantia num momento de lazer. Acha que perdeu R$ 50,00 e planeja voltar no dia seguinte para recuperar o dinheiro. Evidentemente, para conseguir seu intento, precisará apostar quantias cada vez maiores, porque as probabilidades são sempre contra o jogador e a favor da casa. Ele aposta R$ 100,00 para recuperar os R$ 50,00, não ganha e amarga um prejuízo de R$ 150,00. Inconformado, como uma bola de neve descendo a ladeira, o rombo financeiro cresce, pois ele aposta um volume cada vez maior dinheiro na vã tentativa de recuperar o que perdeu.

Drauzio – Para quem está fora desse universo é um comportamento difícil de entender. O sujeito sabe que suas chances de ganhar são muito pequenas, mas insiste achando que vai conseguir. O que leva uma pessoa a agir assim?

Hermano Tavares – São várias as razões, mas há um fenômeno que se manifesta em todos os jogadores patológicos e que se chama memória seletiva. Não foram poucos os pacientes que me disseram: “Não, mas às vezes eu ganho. Outro dia mesmo, bati um bingo acumulado e ganhei R$ 4.000,00”. Costumo, então, fazer com eles o seguinte raciocínio. Quero saber quanto tempo levaram para ganhar esse dinheiro. Em geral, jogaram todos os dias naquela semana e gastaram R$ 12.000,00 em apostas, mas se esquecem disso, pois a memória seletiva registra apenas o último resultado. Para eles, o saldo é positivo: ganharam R$ 4.000,00 e não negativo em R$ 8.000,00 como as evidências demonstram. Não fazem essa conta e só descobrem o rombo nas finanças quando estoura o cheque especial e não têm mais um tostão para fazer os pagamentos.

Drauzio – Um jogador patológico pode destruir uma família inteira, não só financeiramente, mas moralmente também, e a tendência da sociedade é considerá-lo uma pessoa com padrões morais inferiores. Como a medicina encara os casos de jogo patológico?

Hermano Tavares – Há descrições de jogadores patológicos que datam do final do século XIX. Por exemplo, o famoso escritor russo Dostoievski era um jogador patológico. No entanto, a medicina demorou muito para reconhecer esse quadro como um transtorno psiquiátrico, uma doença que merece tratamento e não juízo moral. Isso só se deu em 1980, apesar de os primeiros tratamentos específicos para jogo compulsivo terem sido propostos na década de 1970 e desde 1957 existirem os Jogadores Anônimos.

Como se vê, nesse caso, a sociedade se antecipou à medicina ao reconhecer tal condição como merecedora de atenção e tratamento. Hoje, o jogo patológico é considerado uma doença, uma doença comportamental, não uma dependência química. O doente desenvolve um tipo de comportamento que mimetiza o dos viciados em álcool e outras drogas.

FATORES DE RISCO

Drauzio – Quais são os fatores de risco para essa doença? Existe algum tipo de personalidade mais propensa a desenvolver o comportamento do jogador patológico?

Hermano Tavares – Os fatores de risco incluem personalidade, contexto e condição social. Vários estudos mostram que pessoas de classe média baixa estão mais sujeitas a desenvolver esse tipo de comportamento, embora o jogo seja democrático e atinja todas as classes sociais.

No caso específico da classe média baixa, constituída por pessoas que já ascenderam à sociedade de consumo, o processo é mais ou menos o seguinte. O indivíduo sabe que pode consumir e deseja determinados bens, mas observa que de certa forma está excluído de determinada faixa de consumo. Faz as contas e conclui que, mantendo o padrão econômico daquele momento, jamais conseguirá comprar o Mercedes ou o BMW que vê trafegando pelas ruas. Passa, então, a sonhar com a possibilidade de ganhar uma bolada, ou seja, torna-se vítima da ilusão vendida pelo jogo de que, numa virada da sorte, terá acesso a tudo o que deseja e que lhe é negado. Um dia, resolve jogar bingo para distrair-se um pouco e dá o azar de ganhar um bolo de dinheiro logo na primeira vez. Muitas vezes, ouvi o jogador patológico dizer: “Eu nunca tinha jogado nada. Um dia, coloquei uma moedinha numa máquina e de repente caiu uma chuva de moedas. Foi então que pensei – eta jeito fácil de ganhar a vida!”. Se esse gesto for repetido com sucesso mais duas ou três vezes, estará perdido. Nunca mais vai ver o jogo com os olhos de uma pessoa normal. O contexto do qual essa experiência faz parte terá forte influência sobre seu comportamento. Não se pode desconsiderar, ainda, a constituição da personalidade do indivíduo. Se possuir traços de impulsividade muito grande combinados com tendência à ansiedade e jogar alivia a tensão e dissipa um pouco as preocupações, estará completa a receita para ele virar um jogador patológico.

DIFERENÇA ENTRE OS SEXOS

Drauzio – Fale um pouco sobre a diferença de comportamento dos homens e das mulheres que jogam.

Hermano Tavares – Essa é uma linha de pesquisa muito interessante. Acho que nosso grupo no Hospital das Clínicas é um dos que mais publicaram estudos nessa área. Na verdade, foi uma descoberta em que tropeçamos, porque não estávamos à procura desses dados. O perfil feminino de jogador patológico é diferente do masculino. Os homens chegam em busca de ajuda relatando que começaram a jogar no final da adolescência ou no começo da vida adulta e que o envolvimento foi progressivo, mimetizando o que acontece com usuários de drogas (geralmente a primeira experiência é com maconha e depois vêm as drogas mais pesadas). Eles começaram fazendo uma fezinha no jogo do bicho ou jogando na loteria, sentiram-se encorajados e partiram para o bingo, primeiro na cartela e depois no computador. A evolução é lenta e o sujeito leva de dez a quinze anos para procurar tratamento.

Em parcela expressiva das mulheres a história é bem diferente. Muitas declaram que nunca tinham jogado na vida. Achavam tremendamente aborrecido ir às reuniões da igreja e ficar jogando tômbola ou aquele bingo interminável. Depois dos 40, 45 anos, quando os filhos saíram de casa, as preocupações diminuíram e não tinham muito o que fazer à tarde, uma amiga convidou-as para jogar bingo. Ficaram sabendo, então, que o jogo no computador era mais gostoso, mais divertido e mais rápido. Depois de seis meses frequentando esses lugares, estavam arrasadas. Tinham perdido dinheiro, o respeito dos filhos, a conta estava negativa no banco e o marido desconfiava de que tivessem um amante, porque não tinham como explicar as longas horas passadas fora de casa.

Clinicamente, esse quadro recebe o nome de efeito telescópio, ou seja, elas começam mais tarde, evoluem mais depressa, mas em geral chegam ao tratamento com a mesma idade dos homens, por volta dos 40, 45 anos.

Portanto, os fatores de risco para o efeito telescópio que identificamos em nosso trabalho são: começar a jogar depois dos 40, 45 anos de idade, dar preferência aos jogos eletrônicos que são mais rápidos e mais “viciantes” e ser do sexo feminino, se bem que existam homens que também apresentem esse tipo de comportamento.

Drauzio – Interessante essa ideia de que jogos mais rápidos têm potencial maior de provocar adição.

Hermano Tavares – É importante mencionar isso para esclarecer algumas dúvidas. Muitas pessoas perguntam se o filho que joga videogame todos os dias ou o marido que joga futebol nos fins de semana são jogadores patológicos. Não é esse o caso em questão. Estamos falando do jogo de azar patológico, aquele que envolve apostas. Entre eles, há alguns que são mais “viciantes” e causam maior dependência. Veja o exemplo: embora as pessoas falhem em reconhecer como tal, a loteria é um jogo de azar, porque envolve aposta e previsão de um resultado que é absolutamente aleatório. Por que a loteria vicia menos? Porque o intervalo entre aposta e a divulgação do resultado é muito longo. O indivíduo joga hoje, mas o sorteio ocorre uma semana mais tarde. No entanto, quanto mais curto for esse intervalo, mais “viciante” será o jogo. Por analogia, o crack do jogo de azar é a maquininha caça-níqueis em que se põe dinheiro, aperta-se um botão e o resultado é quase imediato, ou seja, é infinitamente pequeno o intervalo entre aposta e resultado. Isso permite “re-apostas”, permite o comportamento de jogar para recuperar o que foi perdido, característica fundamental do jogo patológico.

Drauzio – Há famílias em que se concentra um número considerável de jogadores. Existe alguma condição genética que favoreça o desenvolvimento do jogo de azar patológico num grupo familiar?

Hermano Tavares – Existem quadros bem descritos de grandes concentrações familiares de jogadores e também de jogadores e alcoólatras. É claro que se pode discutir a questão do exemplo e da aprendizagem nesses ambientes, mas há estudos indicando genes específicos ligados a essa condição. Evidentemente, esses genes não explicam todos os casos de jogo patológico, mas funcionam, por assim dizer, como fatores de risco.

ESTRUTURAS CEREBRAIS ATIVADAS

Drauzio – Em linhas gerais, o que acontece no cérebro nesse intervalo de tempo em que a pessoa aperta o botão e recebe a recompensa?

Hermano Tavares – Às vezes, o intervalo de tempo é tão curto que é difícil dizer o que acontece entre o apertar o botão e receber o resultado. Não temos tecnologia para isso, mas já foram realizados estudos com jogadores patológicos e pessoas normais utilizando a ressonância magnética, um equipamento que permite verificar quais são as estruturas cerebrais ativadas enquanto a pessoa está jogando. Interessante notar que são as mesmas que uma pequena infusão de cocaína ativaria. Portanto, jogos de azar e drogas que podem causar dependência química como a cocaína ativam as mesmas estruturas cerebrais.

Drauzio – Você disse que o jogador masculino, em geral, começa mais jovem, vai jogando jogos de azar cada vez mais rápidos e demora anos para entrar numa fase visivelmente patológica. Isso lembra um pouco o usuário de álcool, que começa pelas bebidas fermentadas, evolui para as destiladas e se torna dependente. A trajetória é bastante semelhante, não é mesmo?

Hermano Tavares – A trajetória do jogador masculino clássico e do alcoólatra é semelhante. Acredito que isso aconteça por razões socioculturais, no sentido de que o jogo de azar, exceção feita ao bingo, ainda é um pouco restritivo para mulheres. Nesse particular, a situação do Brasil, onde há grande contingente de mulheres dependentes ou jogadoras patológicas, contrasta com a de outros países nos quais o jogo de azar é uma atividade predominantemente masculina. Em relação aos homens, embora o acesso a esses jogos seja mais precoce, ocorre numa fase de suas vidas em que vários outros comportamentos competem com a dedicação ao jogo. Eles têm que se firmar profissionalmente, construir família, educar os filhos. Por isso, há homens que nunca jogaram e resolvem começar depois dos 40 anos, quando sua situação está mais estável e dispõem de mais tempo e mais dinheiro. Nesses casos, a evolução costuma ser bastante rápida se comparada com a dos que começaram a jogar na juventude.

A FEBRE DOS BINGOS

Drauzio – Gostaria que você discutisse o fenômeno dos bingos no nosso País.

Hermano Tavares – Uma coisa que precisa ser dita com todas as letras é que o jogo não é proibido no Brasil, como se pensava antigamente. No nosso País, ele está legalizado. Os únicos que não são permitidos são os jogos clássicos de cassino, como os de carta e a roleta. Hoje, como a lei que permite a abertura dos bingos expirou, o Ministério Público está discutindo o problema, mas essa discussão deveria ser aberta para a sociedade a fim de saber se ela deseja que eles permaneçam funcionando ou sejam fechados.

O bingo, na verdade, é o grande responsável pela difusão do jogo de azar no Brasil. As pessoas que ainda não foram jogar bingo (aliás, recomendo que continuem não indo) pensam nele como aquele joguinho de tômbola das quermesses de igreja, com um cartão de cartolina onde se marcavam os números cantados com um feijãozinho. Não é nada disso. A maior parte das pessoas que frequenta as casas de bingo joga nos computadores em média de 300 a 400 cartelas de uma só vez e o sorteio é muito rápido. Em 15 ou 20 minutos, acaba uma rodada e começa outra. O uso do computador transformou esse jogo inocente, ou quase inocente, num passatempo perigoso. A combinação tecnológica de jogo de azar e eletrônica é nitroglicerina pura!

O PERIGO DOS CAÇA-NÍQUEIS

Drauzio – E os caça-níqueis?

Hermano Tavares – Os caça-níqueis modificaram o layout de apresentação na tela e se autonomearam videobingo para poderem encaixar-se na lei que legalizava os bingos. Sabe-se que os caça-níqueis eletrônicos são a pior forma de jogo, ou seja, aquela que mais causa dependência. Assim, além dos bingos que são “legais” apesar da pendência com o Ministério Público, temos os caça-níqueis ilegais, mas presentes em quase todos os bares, quer da periferia quer dos bairros nobres da cidade. São maquininhas que ninguém sabe de onde vieram, nem para onde vai o dinheiro que recolhem, nem quem é seu dono ou quem subsidia a atividade. Pior, ninguém controla o acesso das pessoas, em particular dos adolescentes, a essas máquinas. Nenhum pai minimamente responsável deixaria, em sã consciência, seu filho de 15, 16 anos entrar num bar e tomar duas doses de vodca, mas a população não está suficientemente avisada que deixar o filho adolescente dar três ou quatro apertadas nos botões dos caça-níqueis representa risco de dependência tão ou mais grave do que o da dependência de drogas.

Drauzio – O acesso fácil dos adolescentes a essas máquinas não vai criar um tipo de jogador que desenvolve o comportamento patológico mais cedo?

Hermano Tavares – Atualmente, é o que mais se discute na América do Norte – nos Estados Unidos e no Canadá – e estamos em negociação com a Organização Panamericana de Saúde para estudar o envolvimento de adolescentes em jogos de azar e outros comportamentos a eles associados. Está assustando muito os americanos que a taxa de jogo patológico na geração adulta atual seja algo em torno de 2% e, nos adolescentes, 6%, quer dizer, três vezes maior.

As crianças que estão nascendo hoje fazem parte de uma geração que não se conhece o comportamento em relação aos jogos de azar. Ao contrário dos adultos que começaram a ter exposição maciça a esse tipo de jogo num passado recente, elas estarão expostas desde o dia em que nasceram. Assim que aprenderem a entrar no computador e a acessar a internet, terão cassinos virtuais à disposição e muitas não resistirão ao apelo e irão jogar. O que vai acontecer com essa geração é uma pergunta em aberto, mas depende de nós fazer um trabalho de prevenção primária e secundária. É preciso não só levar informação, mas educar a população para que esteja atenta aos sinais dessas.

PREVENÇÃO

Drauzio – Em linhas gerais, como deve ser organizado esse trabalho de prevenção? 
Hermano Tavares – Acho que há um tipo de informação que pode ser apreciada pelos alunos do segundo grau. Para tanto, poderíamos organizar visitas do sistema público de saúde às escolas para explicar o que é jogo de azar. Os adolescentes têm ideias pouco realistas sobre o assunto. Parte deles, por exemplo, acredita ter habilidade especial para fazer ternos e quadras na quina ou na loto, porque isso já aconteceu duas ou três vezes. É claro que a chance de ganhar pode aumentar de acordo com a frequência com que se joga, mas se calcularmos quanto a pessoa gasta nas apostas, veremos que é muito mais do que recebeu com os ternos sorteados. O intrigante é que esses adolescentes de fato alimentam ilusões sobre a habilidade para escolher os números certos, para antever um resultado que é absolutamente aleatório.

Uma das estratégias que usamos, então, é perguntar se algum aluno seria capaz de prever o número que daria se jogássemos o dado que levamos conosco para as salas de aula. Ninguém se atreve a arriscar um palpite. Perguntamos por que, então, eles acham que podem prever os números da loteria, se o princípio é exatamente o mesmo. Não precisa ser uma coisa chata, com cara de sermão. Essas ideias podem ser inseridas, por exemplo, no contexto de uma aula de matemática ou de física a respeito de cálculos e probabilidades e de como funcionam os fenômenos aleatórios.

Fora do sistema educacional, é de suma importância identificar os jogadores que estão em via de tornarem-se jogadores patológicos. Vamos dizer que os 2% ou 3% da população que jogam tenham problemas patológicos, mas ainda não se deram conta disso nem desenvolveram a síndrome completa. Se conseguirmos intervir sobre esses indivíduos nessa fase da doença, conseguiremos minimizar muito as consequências negativas que acarreta. Especialmente em relação ao efeito telescópio, seria fundamental enfocar os indivíduos que começam a jogar depois dos 40 anos e que dão preferência aos jogos eletrônicos. Nesses casos, o tempo para evitar que a tragédia aconteça é muito curto, seis meses no máximo, e nós já sabemos que correm maior risco principalmente as mulheres acima dos 40 anos que gostam do jogo eletrônico. Se conseguirmos levar informação para essas pessoas, sem dúvida, muitas tragédias poderão ser evitadas.

Drauzio – Você usou o termo tragédia. O que caracteriza essa tragédia? 
Hermano Tavares – Sob o ponto de vista da amostra clínica que temos, portanto a fatia da população mais gravemente atingida pelos danos do jogo patológico, 80% dos pacientes chegam relatando algum tipo de ideação suicida. Não é raro ouvir – “Acho que se eu morresse agora, seria melhor para todo o mundo”. Pior ainda será se houver um seguro de vida envolvido, porque o jogador compulsivo começa a pensar em formas de morrer que não pareçam suicídio para a família receber o prêmio e quitar as dívidas, o que pode representar para ele, entre muitas aspas, uma saída honrosa. Desses 80%, 15% já tentaram suicídio, mas sobreviveram e foram tomados por um sentimento enorme de ineficácia – “Não sou bom nem para morrer, não consigo nem me matar”.

Do ponto de vista clínico, devo dizer que dá enorme trabalho reverter essa concepção do jogador patológico sobre si mesmo e reconstruir sua autoestima. É difícil, mas se consegue recuperar o crédito moral dessas pessoas e fazer com que a família volte a acreditar nelas. Em nosso trabalho com saúde, somos “acreditadores” profissionais. Acreditamos quando ninguém mais acredita, quando nem mesmo o paciente acredita em si próprio.

Drauzio – Vocês acreditam baseados no resultado do tratamento desses doentes. Acreditam quando muitas pessoas acham que o caso é perdido e que não há o que fazer diante de um jogador compulsivo.

Hermano Tavares – Esse acreditar não se baseia na fé ou na vontade pessoal. Temos elementos para afirmar que 70% das pessoas que procuram e seguem o tratamento adequadamente se recuperam, o que é uma porcentagem considerável se comparada com outras situações psiquiátricas ou médicas.

TRATAMENTO

Drauzio – Em que consiste o tratamento para os jogadores patológicos? 

Hermano Tavares – O tratamento consiste basicamente em psicoterapia, porque se trata de uma dependência comportamental, causada por um mecanismo psicológico. É fundamental também uma avaliação médica e das condições psiquiátricas associadas, uma vez que nossos dados estatísticos indicam que, em 70% dos casos, além do jogo patológico existe outra condição psiquiátrica associada, como depressão, fobias, transtorno do pânico e dependência de algumas substâncias. Se considerarmos apenas o álcool e outras drogas, a taxa é de 20% a 25%. Se incluirmos a dependência do tabaco, sobe para 70%. Negligenciadas, essas condições psiquiátricas podem comprometer seriamente o tratamento, por isso é importante a avaliação completa do paciente.

Drauzio – Há medicamentos que podem ajudar no controle da doença?

Hermano Tavares – Os medicamentos são usados basicamente para tratar as condições psiquiátricas associadas. Embora ainda não haja nenhum estudo definitivo a respeito, especula-se que alguns dos remédios usados contra a depressão podem diminuir a fissura, a vontade de jogar. Não são todos os jogadores que se beneficiam deles, mas há casos aqui e acolá de pacientes que tomam antidepressivos visando a combater a depressão e relatam que o remédio também diminuiu a vontade de jogar.

Fonte: http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/jogadores-patologicos/

 

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