Os refugiados e as vulnerabilidades

 

Movimentos migratórios e a questão da vulnerabilidade

Por Joseane Mariéle Schuck Pinto (Especialista em Relações Internacionais e Diplomacia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos/RS. Membro do grupo Núcleo de Direitos Humanos (NDH), na mesma instituição.)

O ensaio visa trazer à tona a questão relativa aos movimentos migratórios: característica marcante das duas últimas décadas no cenário internacional. Cumpre ressaltar que tais movimentos resultaram na perda da dignidade humana dos denominados grupos de vulneráveis, dentre eles, o presente texto abordará, a problemática acerca dos refugiados. A proteção despendida aos mesmos é de suma relevância no sistema internacional, eis que a questão envolvendo estes grupos de pessoas sempre esteve presente na humanidade. Ainda, se verificará outros grupos de vulneráveis, podendo ser considerados minorias ou maiorias da população, sendo àquelas pessoas que tem os seus direitos fundamentais violados por diversos fatores, seja por questões de ordem econômica, política, cultural, etc, como por exemplo, os gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais, crianças, idosos, índios, pessoas portadoras de sofrimento psíquico e afro-descendentes. Insta salientar que na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) demarcou-se um referencial histórico acerca da temática envolvendo os refugiados, uma vez que mais de 40 milhões de pessoas provenientes da Europa deslocaram-se por ocasião da guerra[1].

No decorrer da década de 1960, despontaram novos acontecimentos, ou seja, houve a descolonização afro-asiática, gerando novos fluxos de refugiados. Ainda, no que tange as décadas de 1970 e 1980, as mesmas foram marcadas por regimes ditatoriais em países da América Latina, servindo de palco para conflitos armados por motivos políticos, provocando um movimento de mais de 02 milhões de deslocados[2]. A questão permanece latente no mundo global contemporâneo, vindo colaborar os ensinamentos de Agamben[3] sobre o tema, visto que os refugiados continuam sendo são forçados a abandonar seus lares, seja em situações de conflitos, seja por questões religiosas, étnicas, políticas ou econômicas.

Ademais, o Brasil foi um dos pioneiros no que diz respeito à liderança na proteção internacional dos refugiados[4], sendo o primeiro país do Conesul a ratificar a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no ano de 1960. No entanto, apesar da boa vontade do Estado brasileiro em acolher estes grupos denominados vulneráveis e desempenhar um papel ativo frente a tal questão, depara-se com o problema de integração dos refugiados diante da inserção dos mesmos na sociedade brasileira, tais como: a língua, a cultura, bem como a questão da efetivação dos direitos fundamentais, ou seja, direito ao emprego, à saúde, à moradia, à educação, entre outros. Nesse sentido, para que se concretize a ajuda humanitária e a integração dos refugiados no cenário nacional, a ACNUR através de convênios conta com o apoio de atores não-estatais, isto é, organizações não-governamentais, como é o caso do Rio Grande do Sul, por meio do trabalho desempenhado pela Associação Antônio Vieira, tendo, portanto a participação da Universidade no desempenho deste processo.

Resta comprovado que a condição de refugiado é resultado de uma nação que não foi capaz de assegurar os direitos humanos de seus nacionais, ocasionando, portanto todo o processo de deslocamento forçado existente no cenário internacional, o que acarretará em uma ligação íntima entre a DUDH e a Convenção de 1951.[5] Piovesan traz à tona que: “A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos.”[6]

Em relação a outros grupos de vulneráveis, tais como: gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais, crianças, idosos, índios, pessoas portadoras de sofrimento psíquico e afro-descendentes, vale mencionar que o Brasil é signatário do Pacto dos Direitos Civis e Políticos da ONU, que foi promulgado pelo Presidente da República através do Decreto nº 592, de 07 de julho de 1992. Este tratado internacional consagra o direito à igualdade nos seu arts. 2º, § 1º, e 26, ao proibir as discriminações “por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”. Apesar de inexistir no referido texto qualquer alusão expressa à discriminação fundada em orientação sexual, a Comissão de Direitos Humanos da ONU manifestou-se no sentido de que “a referência a ‘sexo’ nos artigos 2º, § 1º, e 26, deve ser considerada como incluindo também a orientação sexual”.

No tocante às vulnerabilidades das crianças, idosos, índios e pessoas portadoras de sofrimento psíquico, insta esclarecer que o que há de comum entre as vulnerabilidades destas classes de pessoas são as relações de poder econômico em que cada grupo se encontra no panorama de realização ou de violação de direitos humanos. Poder econômico que define o acesso a bens e serviços que constituem a qualidade de vida; poder político, que define a autonomia e a liberdade em relação ao Estado; e poder cultural, que define as posições na sociedade em si, desde as relações inter-pessoais até as sociais. Todas essas dimensões do poder, é claro, são conectados e expressam o cenário da vulnerabilidade de certos grupos e indivíduos em relação aos direitos humanos.

Dessa forma, as desigualdades econômicas geram por consequência outras formas de desigualdade e exclusão, ou seja, política, discriminatória e social. Assim, os cidadãos considerados diferentes sofrem discriminação. Ainda, em relação ao preconceito, a intolerância em relação ao diferente, fundamenta toda ordem de discriminação e de violência contra grupos chamados minoritários, política e principalmente culturalmente, eis que em nossa sociedade vige uma postura cultural arraigada a história dos povos e de suas raças. Isso os torna vulneráveis aos direitos à igualdade, à vida, à integridade, à liberdade, e pode-se vislumbrar, por exemplo tais discriminações frente a grupos afro-descendentes, que sofreram e sofrem até hoje com o forte racismo presente na sociedade.

Por fim, o princípio da não-discriminação é o primeiro, o fundamental em todo ordenamento jurídico internacional dos direitos humanos.

Está presente nos tratados internacionais, regionais e nacionais, mas não está presente, ainda, na cultura e nas atitudes individuais de forma tão forte.

NOTAS: 

[1] HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2 ed. Tradução: Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 58.

[2] ANDRADE, José Henrique Fischel de. Regional policy approaches and harmonization: a latin American perspective. International Journal of Refugee Law. Oxford, v. 10, n. 3, p. 389-409, 1998, p. 400.

[3] “Se os refugiados (cujo número nunca parou de crescer no nosso século (Século XXI, até incluir hoje uma porção não desprezível da humanidade) representam, no ordenamento do Estado-nação moderno, um elemento tão inquietante, é antes de tudo porque, rompendo a continuidade entre homem e cidadão, entre nascimento e nacionalidade, eles põem em crise a ficção originária da soberania moderna. Exibindo à luz o resíduo entre nascimento e nação, o refugiado faz surgir por um átimo na cena política aquela vida nua que constitui seu secreto pressuposto. Neste sentido, ele é verdadeiramente, como sugere Hannah Arendt, “o homem dos direitos”, a sua primeira e única aparição real fora da máscara do cidadão que constantemente o cobre.”AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. Tradução Henrique Burigo, 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2010, p.128.

[4] “O refúgio é um instituto jurídico internacional, tendo alcance universal e o asilo é um instituto jurídico regional, tendo alcance na região da América Latina. O refúgio, como já examinado, é medida essencialmente humanitária, enquanto o asilo é medida essencialmente política. O refúgio abarca motivos religiosos, raciais, de nacionalidade, de grupo social e de opiniões políticas, enquanto o asilo abarca apenas crimes de natureza política. Para o refúgio basta o fundado temor de perseguição, enquanto para o asilo há a necessidade da efetiva perseguição.” PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. In: ARAÚJO, Nadia de; ALMEIDA, Guilherme Assis. (coords.) O Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 57-8.

[5]  PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. In: ARAUJO, Nadia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de (Coord.). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 38.

[6] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6. ed. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 146. 

MAIORES INFORMAÇÕES SOBRE O TEMA:

ACNUR. ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. A Convenção de Refugiados de 1951. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/a-quem-ajudamos/refugiados/, acesso em 13 de maio de 2013.

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. Tradução Henrique Burigo, 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2010.

ALVES, José Augusto Lindgreen. Os direitos humanos como tema global.São Paulo: Perspectiva, 1994.

ANDRADE, José Henrique Fischel de. Regional policy approaches and harmonization: a latin American perspective. International Journal of Refugee Law. Oxford, v. 10, n. 3, p. 389-409, 1998.

CULLETON, Alfredo. Curso de direitos humanos / por Alfredo Culleton, Fernanda Frizzo Bragato, Sinara Porto Fajardo. São Leopoldo: Unisinos, 2009.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2 ed. Tradução: Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LUZ FILHO, José Francisco Sieber. Non-refoulement: breves considerações sobre o limite jurídico à saída compulsória do refugiado. In: ARAÚJO, Nadia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coords.) O Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MARCOLINI, Adriana. As perspectivas para os refugiados no século XXI. in Refugiados: realidade e perspectivas / organizado por Rosita Milesi, Brasília: CSEM/IMDH: Edições Loyola, 2003,

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6. ed. São Paulo: Max Limonad, 2004.

________________. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. In: ARAÚJO, Nadia de; ALMEIDA, Guilherme Assis. (coords.) O Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 57-8.  

Fonte: http://unisinos.br/blogs/ndh/2014/01/06/movimentos-migratorios-e-a-questao-da-vulnerabilidade/

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