A neurobiologia do amor: as Fases e Emoções Envolvidas

Débora Sterzeck Cardoso, Laryssa H. E. Nishio, Soha Chabrawi, Silvia Honda Takada, Alexandre Hiroaki Kihara

Nas últimas décadas, com o surgimento de técnicas como a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons e a ressonância magnética funcional, os neurocientistas começaram a investigar assuntos como o amor, a atração e a monogamia; áreas que até então tinham prevalência de estudos psicológicos e sociológicos. Desta forma, eles foram à busca de respostas para perguntas como o porquê nos apaixonamos e o porquê escolhemos uma pessoa específica.

Psicólogos definiram três diferentes fases para um relacionamento amoroso: 1) paixão/romantismo, 2) amor passional e 3) companheirismo; além do rompimento, que pode ocorrer durante esse percurso, sendo que cada uma apresenta suas próprias características.

A primeira fase, relativamente curta (aproximadamente 6 meses), apresenta grandes variações hormonais de oxitocina e vasopressina que são importantes hormônios que regulam áreas do sistema de recompensa do cérebro (Figura 2), complexa rede de neurônios que é ativada quando fazemos atividades que causam prazer.

Boer e colaboradores (1), da Universidade de Groningen, na Holanda, publicaram em 2012 um artigo de revisão bastante interessante sobre as perspectivas neurobiológicas atuais do amor e afeição.

Os autores relatam diversos estudos realizados com o objetivo de elucidar a base neurobiológica da monogamia, a maioria deles comparando duas diferentes espécies de ratazanas (monogâmicas e promíscuas), em que estas áreas e regiões adjacentes demonstraram alterações em sua ativação durante a fase inicial do amor (romântica). Estas áreas estão intimamente ligadas à dopamina, outro importante neurotransmissor para o sistema de recompensa.

A relação entre a dopamina e a monogamia foi demonstrada no encéfalo destes animais em que, após infusão moderada deste hormônio no núcleo Accumbens da espécie promíscua, elas passaram a apresentar comportamento monogâmico. É como se seu companheiro ou companheira que é muito assanhado(a) passasse a ser a pessoal mais fiel à você!

Além do sistema de recompensa cerebral, foram observadas alterações na atividade de regiões corticais que se associam às experiências emocionais, principalmente o medo, sentimento que diminui quando estamos próximos às pessoas amadas; as experiências negativas e de julgamento, observado na incapacidade de julgarmos honestamente o caráter de quem amamos; e de percepção sobre a evolução dos sentimentos e intenções da outra pessoa.

A segunda fase, a fase passional, compreende até o primeiro ano de relacionamento.Nesta fase, a oxitocina e a vasopressina estão envolvidas na formação de um relacionamento sólido. Estas alterações geram os sentimentos de segurança, calma e equilíbrio.

Em 2013, Scheele e colaboradores (2) avaliaram a ação da administração intranasal de oxitocina (OXT) no sistema de recompensa dopaminérgico, através da apresentação da foto da parceira em comparação com a de outras mulheres exemplificadas adiante.

Foram selecionados 40 participantes do sexo masculino, adultos, não fumantes que estavam em um relacionamento amoroso heterossexual por mais de 6 meses, solteiros e sem filhos que, portanto, estavam vivenciando a segunda fase do amor, o amor passional.

Foram realizados dois estudos, um de Descoberta (DSC) e um de Replicação (RPL) (Figura 3), cada um com 20 sujeitos. Trinta minutos antes de começar o teste, estes foram aleatoriamente selecionados para receberem OXT intranasal ou Placebo (PLC).

No DSC, foram apresentadas a foto da parceira, de uma mulher desconhecida (com igual grau de beleza) e a figura de uma casa como controle, pois esta não é considerada um estímulo facial.

Já no RPL, a figura da casa foi substituída pela foto de uma mulher familiar que conhecia o participante há, no mínimo, 30 meses.

Ambos os estudos utilizaram a Ressonância Magnética Funcional (RMf) para visualizar o contraste de ativação cerebral quando cada uma das fotos foram apresentadas, além de ser avaliado o grau de atratividade e recompensa para cada foto.

O efeito da OXT foi evidenciado quando houve o aumento de ativação pela visualização da parceira e decréscimo de ativação pela visualização da foto da mulher desconhecida no núcleo Accumbens (NAcc) e na Área Tegmental Ventral (ATV), o que intensificou o sentimento de recompensa pela parceira quando a foto foi apresentada. Isto aumentou a ativação da área de recompensa, sendo ainda o ATV recentemente sugerido como área de ação da oxitocina para salientar os estímulos socialmente relevantes.

A ativação da ATV sofreu decréscimo, em ambos os estudos RPL e DSC, após o tratamento com OXT, o que pode contribuir para os relacionamentos duradouros, pois demais mulheres se tornam menos atrativas, porém não foram realizados estudos comportamentais para validação desta hipótese.

Quando comparado à casa, figura neutra, com a parceira no tratamento com placebo (PLC), notou-se ausência de forte resposta neural, pois a casa não é uma figura tão recompensadora quanto uma mulher desconhecida com igual grau de beleza que sua parceira.

Nos homens envolvidos em relacionamentos amorosos o aumento de oxitocina (OXT) sinaliza a proximidade, apoio social, contato íntimo ou sexo como atividades muito mais gratificantes se compartilhadas com sua parceira.

Através destes estudos, verificou-se a possível influência da OXT no aumento da atração facial, da comunicação entre o casal durante discussões e da fidelidade masculina através do distanciamento das demais mulheres.

Contudo, neste estudo não foram analisados os efeitos da OXT na ansiedade e no humor, sendo necessárias análises mais sensíveis que possam detectar alterações mais sutis. Podem também ter ocorrido alterações inconscientes de afetividade, pois não foram coletados dados psicológicos.

A terceira fase, companheirismo, é caracterizada pela diminuição da paixão e o aumento de comprometimento com o parceiro, o que se assemelha a um sentimento de amizade. A oxitocina e a vasopressina mantêm seu papel, sendo os hormônios dominantes para manter o relacionamento.

Contudo, não podemos classificar todas as relações amorosas desta maneira, pois um terço dos casamentos acaba em divórcio e outros relacionamentos chegam ao fim, ainda entre as primeiras etapas, sendo mais comum na transição da fase passional para o companheirismo. Neste período, a intimidade entre os casais decai e o compromisso é o maior laço entre o casal, tornando assim a relação frágil.

Ao avaliar a atividade cerebral de pessoas que haviam terminado seus relacionamentos recentemente, foi observada uma alta atividade em outras regiões do sistema de recompensa dopaminérgico que estão associadas a recompensas incertas e respostas tardias, caracterizando o sentimento de incertezas de futuro (1).

Os estudos realizados na tentativa de elucidar as bases neurobiológicas do relacionamento amoroso ainda são escassos, apesar do interesse crescente de cientistas e pesquisadores da área de Neurociências e dos recentes avanços das técnicas de imagem. Muitos deles, realizados em animais, talvez não possam ser transpostos ao homem, mas com certeza ajudam a compreender este campo ainda tão pouco explorado. Embora seja um estudo bem complexo, o amor nos seres humanos é um interessante tópico que merece ser aprofundado no sentido neurobiológico, levando a novas descobertas nos próximos anos.

Referências

1. de Boer A, van Buel EM, Ter Horst GJ. Love Is More Than Just a Kiss: A Neurobiological Perspective on Love and Affection. Neuroscience. 2012 Jan 10;201:114-24. PubMed PMID: ISI:000299400700011. English.

2. Scheele D, Wille A, Kendrick KM, Stoffel-Wagner B, Becker B, Gunturkun O, et al. Oxytocin enhances brain reward system responses in men viewing the face of their female partner. P Natl Acad Sci USA. 2013 Dec 10;110(50):20308-13. PubMed PMID: ISI:000328061700077. English.

Fonte: http://www.institutonanocell.org.br/a-neurobiologia-do-amor-as-fases-e-emocoes-envolvidas/

BIGTheme.net • Free Website Templates - Downlaod Full Themes