Na Matrix com o Pequeno Príncipe
A vida é a arte dos encontros já dizia o poeta. E a rua é o lugar onde eles acontecem, bons ou maus, preenchem nossa existência. Graças a eles interagimos, trocamos ideias, desabafamos, rimos, conhecemos os assuntos mais falados, o que está na moda. O contato com diferentes opiniões permite formar ou balizar as nossas. Algumas vezes até nos percebemos fazendo conexões insólitas entre elas.
Há alguns dias, em um começo de tarde, encontrei a pequena Isabella saindo da escola. Aproveitei o momento para perguntar, entre outras coisas, se estava lendo algum livro. A menina respondeu com entusiasmo: “Sim, O Pequeno Príncipe!”. Efeito do fugaz contato, me senti num oásis. Imediatamente minha imaginação foi povoada pelas recordações da estória e das lições extraídas de cada um dos personagens.
É desses livros que transcendem gerações e, por sua profundidade e beleza, fincam raízes em nossos corações. O clássico infanto-juvenil, escrito por Antoine de Saint-Exupéry, foi publicado pela primeira vez em 1943. É o terceiro livro mais traduzido do mundo, ficando atrás da Bíblia Sagrada e de Harry Potter. Recebeu versões em mais de 250 idiomas, a mais recente para o Náhuatl, língua nativa de diversos povos nativos da região da América Central.
No centro desta narrativa está o Pequeno Príncipe, que em sua viagem para o planeta Terra passa por diferentes personagens - em cada um deles o autor ilustra um aspecto da nossa natureza - e cai no deserto onde irá encontrar um piloto que ali estava devido à uma pane em seu avião.
A partir do encontro com o aviador, o menino, em sua pureza, questiona os valores dos adultos. Com isso a narrativa nos leva a refletir sobre o caráter passageiro da existência e o que é realmente importante. Somos convidados a ver a vida com olhos da criança e a valorizar as coisas simples. O legado que nos deixou o Pequeno Príncipe foi o de indicar uma maneira de olhar o mundo e enxergar ali, pela simplicidade, o essencial. Muito antes, em outro tipo de literatura, Jesus também deixou mensagem similar.
O encontro com Isabella poderia ter sido comum como tantos outros que acontecem em uma ida ao banco, à padaria ou ao supermercado, mas foi um daqueles que reverberam e produzem efeitos em nós. Se por um lado ela me lançou ao livro de Saint-Exupéry, por outro fez minha memória conectá-lo a um filme que surgiu muito depois: Matrix. Parece estranho? Vejamos.
Lançado em 1999, Matrix é um dos filmes que marcaram época. Famoso pelas cenas de ação inovadoras e efeitos visuais revolucionários, influenciou muitos outros filmes de ação e ficção científica e continua sendo um ícone do gênero. Conquistou três Oscars e foi sucesso de bilheteria, tanto que recebeu duas sequências em 2003: Matrix Reloaded e Matrix Revolutions.
Foi estrelado por Keanu Reeves no papel do hacker Neo, a quem Morpheus, o capitão da resistência, oferece a possibilidade de escolha entre uma pílula vermelha e uma azul. Ao optar pela vermelha, ele desperta para a realidade do mundo e descobre que ela não passa de uma simulação criada por computadores para controlar a humanidade. A azul lhe faria permanecer na ilusão criada pelas máquinas conscientes. A partir disso ele irá se juntar a Morpheus e seus rebeldes para lutar contra as máquinas e poder sair da Matrix.
A mensagem central do filme é a ideia de que a realidade pode ser subjetiva e ilusória, e que as pessoas muitas vezes estão presas a sistemas de controle e condicionamento que as impedem de enxergá-la. Dessa forma, aborda temas muito atuais como dominação e liberdade, ilusão e realidade, verdade e mentira.
Tempo de voltarmos à conexão. Tanto O Pequeno Príncipe quanto Matrix contêm uma dose de ironia ou provocação para nos despertar de um cotidiano alienante. É sempre bom estarmos atentos a eles e assim, com uma pitada de esforço, ampliamos a esfera de nossa consciência em direção a uma vida que valha a pena ser vivida. Caso contrário, pactuamos com a pílula azul.
nov.23