Humanização dos tratamentos mentais em Fortaleza-CE

 

    

Profissionais atuam pela humanização dos tratamentos mentais em Fortaleza 

Por Thatiany Nascimento  

O Brasil tenta superar estigmas no tratamento de pacientes psiquiátricos. Hoje, no Dia da Luta Antimanicomial, trajetórias de profissionais que atuam historicamente pela humanização das terapias no Ceará ganham destaque.  

Institucionalizar pacientes da saúde mental. Segregá-los em hospitais com a suposta finalidade de tratá-los. Paradigma que imperou no Brasil e ainda não está superado. Sofrimentos psíquicos seguem crescentes nas últimas décadas. Com a Reforma Psiquiátrica e a criação da Lei 10.216/2001, o Brasil iniciou novos modelos terapêuticos. Mas, antes disso, profissionais da saúde mental já estavam no esforço pela humanização dos tratamentos. 

Em Fortaleza, três profissionais, que adotaram a cidade como terra natal, ajudam a salvar vidas. Inúmeras e incontáveis. São referências de cuidado. Inseridos nas periferias, protagonizam terapias comunitárias. 

De tanto que já fizeram, reiteram de modo semelhante que o tratamento é, sobretudo, o despertar de autonomia daqueles massacrados tanto por doenças, como pelos estigmas. 

Pioneiro no desenvolvimento do método de Terapia Comunitária Integrativa, o médico psiquiatra Adalberto Barreto é figura singular no movimento anti-manicomial. Nascido em Canindé, o professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC) explica que no seu "primeiro universo mágico religioso", quis estudar para ser padre e ajudar os pobres. 

Posteriormente, veio para Fortaleza, onde cursou Medicina e, em paralelo, filosofia. "Me dei conta de que os dois ambientes, o cultural-religioso e a academia, excluíam o que era diferente, e isso me provocava crises existenciais", enfatiza. 

Após seis anos na Europa, onde fez doutorado em Psiquiatria, regressou ao Ceará e começou a dar aulas de medicina. No Hospital Universitário, recebia pacientes do Pirambu. "Eu fazia atendimento com os alunos de Medicina. Meu irmão começou a mandar para o hospital as pessoas que tinham sofrimentos psíquicos. Eu falei: não mandem mais. Juntem lá na favela que a gente vai atender lá". Era 1976. A iniciativa se tornou o Movimento de Saúde Mental Comunitária do Pirambu. 

Transformações 

No local, recorda o médico, pelo menos 30 pacientes buscavam psicotrópicos para depressão. 

"Como eu não tinha remédio para dar, eu fiquei escutando, me dei conta de que tinha mais sofrimento que doença. E para sofrimento, a gente precisa de escuta, de abraço, de afeto e foi isso que fomos desenvolvendo". O 4 Varas, segundo Adalberto, é "espaço para acolher os sofrimentos sem medicá-los". 

Hoje, o método de Terapia Comunitária Integrativa está em 28 países da África, da Europa e da América Latina. O modelo foca a construção de redes sociais solidárias dentro da periferia e tenta mobilizar os recursos e as competências dos moradores e da comunidade. Em 2017, foi incluída no rol das Práticas Integrativas Complementares do Sistema Único de Saúde (SUS). 

No Pirambu, Adalberto segue protagonizando atos transformadores para quem deles se valem. Nas quartas, cuida dos cuidadores - massoterapeutas e terapeutas comunitários. Nas quintas, do público em geral. "Saúde mental é investir mais nos laços, dos que nos espaços. O adoecimento não é um problema só da mente. É das relações".  

Atendimentos 

A trajetória da médica Vera Dantas, que há quase 40 anos atua pelo SUS, também é atravessada pelas experiências comunitárias de saúde popular. Natural do Rio Grande do Norte, ela veio para o Ceará em 1994, na criação do então Programa Saúde da Família. Foi para Quixadá- um dos primeiros municípios a criar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) no Estado. "Quando vim para Fortaleza, me envolvi com o Movimento de Saúde Mental do Bom Jardim. Comecei a trabalhar primeiro com o teatro e a homeopatia. Era uma prática que a Secretaria de Saúde ainda não acolhia" 

Ela, junto a outros profissionais, se articulou para formalizar estes modelos de cuidado em Fortaleza. "No Bom Jardim, tinha a experiência com a massoterapia, os grupos do Palmeiras trabalhavam com plantas medicinais, articulávamos também com o 4 varas".  

Em 2006, Vera ajudou a criar a Oca Terapêutica de Práticas Integrativas e Populares de Cuidado, denominada de Espaço Ekobé, na Universidade Estadual do Ceará (Uece), no Itaperi. Inicialmente, o espaço ofertava, de forma solidária, práticas de cuidados abertas à comunidade, como ioga, meditação, reiki e massoterapia. Depois, passou a oferecer também formação para cuidadores da saúde mental. 

Neste ano, Vera, como médica de saúde da família, voltou a trabalhar em uma unidade de saúde básica em Fortaleza, no Passaré. Se diz impressionada com a quantidade de pessoas "refém de remédios". Ao local, tem levado práticas integrativas. 

"As pessoas construíram um modelo mental que a estratégia é conseguir a receita para o remédio. Eu continuo acreditando que essas possibilidades integrativas são potentes. Dentro da unidade, vou arranjando um tempinho. Começamos a trabalhar com a ideia de plantas medicinais. Temos a possibilidade de trabalharmos com os chás, com os sucos. Para as pessoas poderem usar em casa". 

Opções 

Nascido na periferia de Milão na Itália, Rino Bonvini, primeiro tornou-se médico para depois virar padre. Aos 18 anos, trabalhou dirigindo ambulâncias. A convivência com o sofrimento de terceiros teve início aí e segue até hoje. 

Ao tornar-se médico, apesar do desejo, o destino do jovem italiano não foi as zonas de guerra. Mas o enfrentamento à violência segue presente hoje. Em 1993, a ida ao Congresso Mundial de Psiquiatria, no Rio de Janeiro, o fez conhecer o professor Adalberto Barreto. Rino decidiu se especializar em saúde mental e voltar a atuar no Brasil. 

Em 1996, chegou a Fortaleza e, da cidade, hoje, ele só sai para ampliar a visibilidade das experiências exitosas no Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim. O Movimento criado há 23 anos em conjunto com as lideranças populares tem sido espaço de recuperação de vidas. De autoestima. É oportunidade em um território marcado historicamente pela desigualdade social e a violência. 

O "padre Rino" é figura conhecida. Digno da gratidão de tantas famílias que, vítimas do sofrimento psíquico, encontram na organização coletiva possibilidade de recuperação através da Abordagem Sistêmica Comunitária. 

"Nossa política trabalha a questão da proposta. Não é resistir contra, é resistir para algo novo. Para uma nova percepção de si. Para uma nova maneira de perceber quem sou eu. Qual o meu potencial, a minha capacidade, o meu poder. E esta conscientização tem um porém, que isso pode ser usado só para mim. Quando termina este ciclo, eu posso voltar com uma corresponsabilidade que eu recebi e voltar para dar. Nessa dinâmica de dar e receber, a pessoa fica autônoma", explica. 

Nesse tempo, padre Rino junto ao Movimento tem auxiliado a criação de cursos profissionalizantes, pré-vestibular, da Casa Ame - Arte, Música e Espetáculo, Escola de Gastronomia, dentre tantos outros. 

"Eu me sinto muito feliz, satisfeito, realizado. Nesses 23 anos de trabalho comunitário, desenvolvemos uma abordagem reconhecida internacionalmente. O Bom Jardim é uma comunidade que se organizou e conseguiu produzir uma resposta e resoluções para os próprios problemas".  

Serviços

1- Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim

Rua Dr. Fernando Augusto, 609 - Parque Santo Amaro, Fortaleza 

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(85) 3497.0892/99174.2860 Whatsapp 

2- Movimento de Saúde Mental Comunitária do Pirambu

Avenida José Roberto Sáles, 44 - Barra do Ceará, Fortaleza

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Telefone: (85) 98737 6895

3- Espaço Ekobé

Rua Dr. Justa Araújo, 1203 - Universidade Estadual do Ceará, Campus do Itaperi, Fortaleza   

Fonte: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/metro/profissionais-atuam-pela-humanizacao-dos-tratamentos-mentais-em-fortaleza-1.2100668?fbclid=IwAR3yAQLfe_CTjmj9SV3mV8K9wXKakkTG9IFSMTfeVnHEttem-GFx8MPhcY4

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