Artesanato e saúde mental

 

Arte e artesanato são alternativas de tratamento em um serviço de saúde mental

Por Barbara Pansardi 

Déficit de atenção e transtorno de aprendizagem são os diagnósticos mais frequentes na área de saúde mental de crianças e adolescentes – segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em 2008, 8,7% das crianças ou adolescentes entre 6 e 17 anos têm sinais de hiperatividade ou desatenção; 7,8% possuem dificuldades com leitura, escrita e contas; 6,7% têm sintomas de irritabilidade e comportamentos desafiadores; e 6,4% apresentam dificuldade de compreensão ou atraso com relação a outras crianças da mesma idade.

Na capital mineira, para fazer frente ao grande volume de casos deste tipo, foi pensado um tratamento alternativo de arte e artesanato. No serviço de saúde mental de BH, tratamentos alternativos trabalham de forma lúdica questões relacionadas ao desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes, o programa Arte da Saúde – Ateliê de Cidadania oferece subsídios lúdicos para lidar com os problemas que interferem no desenvolvimento psicossocial e educacional da criança, sem passar pela medicalização.

Entre tintas, missangas, argila, pincéis, fuxicos, instrumentos musicais e tecidos, meninos e meninas resgatam seu amor próprio, auto-confiança e auto-estima, e o resultado se reflete diretamente no desempenho escolar e no convívio familiar e social. 

Histórico

Rosalina Martins Teixeira, psicóloga e idealizadora do Arte da Saúde, incomodava-se com a banalização dos correntes diagnósticos de transtorno de conduta e aprendizagem. Enxergava a resposta habitual ao problema – o encaminhamento às escolas especiais ou aos tratamentos neurológicos – como um processo de patologização e adoecimento de crianças que não se adaptavam bem à abordagem de ensino tradicional, e se recusava a fornecer laudos psicológicos de encaminhamento para tais instituições.

Lamentando que a rede de saúde mental não ofertasse um serviço para lidar corretamente com essa demanda, decidiu por conta própria testar uma alternativa. Entendendo que por trás destes quadros havia uma questão intersetorial com a educação, que não deveria ser psiquiatrizada, desvestiu-se do papel de psicóloga e, em 1991, como artista plástica, ofertou por seis meses uma oficina de xilogravura no Centro de Saúde Vera Cruz, onde trabalhava.

A ideia apresentou bons resultados e as crianças demonstraram melhora no desempenho escolar, o que motivou Rosalina a buscar convênios e modos de financiar a iniciativa. Desde 2008, o projeto é uma política pública da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e a atuação, que a princípio tinha como público-alvo crianças e adolescentes com quadros de déficits cognitivos, hiperatividade e distúrbios de comportamento, atualmente contempla também jovens em situação de vulnerabilidade social – como vítimas de abuso sexual, violência doméstica, trabalho infantil ou usuários de drogas –, além de portadores de sofrimento mental. 

Cuidado edificante

Para a idealizadora do Arte da Saúde, o que explica a melhora e desenvolvimento de meninos e meninas que passam pelo programa é a atenção especial, o cuidado e a aposta no potencial da criança – em oposição a uma postura negativa que só enxerga o fracasso. “A gente tem que dar a eles o direito de viver a infância e não ser tachado de burro, incompetente, fracassado e drogado. E, quando você oferece isso a qualquer um deles, faz um ato de união. Ali na oficina ele não é o drogado, o portador de sofrimento mental, o que tem problema de aprendizado; é a criança, e o sintoma dela a gente quer esquecer”, defende.

Não tratar pelo sintoma é, segundo Rosalina, o diferencial do programa e o segredo de seu sucesso. Por isso mesmo, os monitores selecionados para a oferta de oficinas não apresentam formação profissionalizante relacionada à área da psique humana; são artesãos ou artistas da comunidade. “A gente queria pessoas que não tivessem esse ‘psi’ para não terem um olhar acostumado, preconceituoso e estigmatizante”, explica.

O acompanhamento e discussão dos casos atendidos acontecem semanalmente em reuniões entre os monitores e os profissionais da saúde mental. Ali, a troca de informações entre saberes distintos é valiosa, porque há nas oficinas muitos relatos que não chegam aos consultórios médicos. “Os artesãos e artistas contam os progressos dos meninos na linguagem deles. Se é um sintoma, eles nem sabem. Relatam casos de meninos que chegaram muito agitados e, ao longo do processo, se acalmaram. Ou trazem questões de abuso que foram confidenciadas”, afirma a psicóloga.

Outro diferencial é a proximidade com o ambiente familiar, escolar e com o bairro dos garotos e garotas, importante para a criação e fortalecimento do vínculo. Por serem da comunidade, os monitores entendem a realidade social de onde vêm as crianças e adolescentes que demandam o serviço. Além disso, o fato de a oficina ocorrer nas adjacências do território por onde circula a criança facilita a visita à sua casa, que acontece quando ela se ausenta sucessivamente sem justificativa. “Eu penso que [o projeto] dá certo justamente pelo acolhimento que o monitor tem. Esse monitor é uma referência pra essa criança e esse adolescente; é da comunidade. Esse acolhimento diferencia muito”, avalia Maria Aparecida Pedroso, atual coordenadora do Arte da Saúde.

O programa se propõe como um espaço de acolhimento e socialização. Por isso, além das oficinas são promovidas visitas a parques, museus, centros culturais ou cinemas, além de pequenas viagens para outros municípios. A circulação na (e entre) a(s) cidade(s) é importante para o crescimento da criança e para a compreensão de sua cidadania e seu pertencimento a uma coletividade.

No espaço onde a atenção e o cuidado são oferecidos, a criança e o adolescente retomam sua condição de sujeito e se tornam mais aptos a exercerem sua expressão. Adquirem segurança e auto-estima e, segundo relatam os monitores, tornam-se mais proativos, oferecendo auxílio e orientação aos demais colegas.

Muitas famílias também contam que crianças antes agitadas, nervosas e agressivas se tornam muito mais sociáveis quando chegam ao projeto. A atividade artística e artesanal lhes ajuda na concentração e tranquilidade, o que repercute tanto nas relações com a família quanto no desenvolvimento escolar. 

Modelo de referência

A proposta inovadora de tratamento, em sintonia com a luta antimanicomial, e os resultados exitosos trouxeram reconhecimento ao programa. Em 1999, o Arte da Saúde foi selecionado entre os dez melhores projetos pelo prêmio Itaú/Unicef – Educação e Participação. Em 2007, o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais atribuiu ao programa o primeiro lugar na premiação Experiências Exitosas em Psicologia e Políticas Públicas, na categoria trabalho individual. Já em 2009, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte foi agraciada pelo Ministério da Cultura com o Prêmio Loucos pela Diversidade – Edição Austregésilo Carrano devido à implantação do ateliê como política pública do município.

Além de fornecer subsídios para questões frequentes no serviço de saúde mental infanto juvenil, o tratamento terapêutico por meio da arte e do artesanato demanda baixos custos. Por essa razão, o projeto se torna um exemplo a ser reproduzido por outras prefeituras e secretarias de saúde. “A associação entre uma experiência bem-sucedida, com formato simples e custos módicos, torna o Arte da Saúde uma prática aplicável em várias localidades, permitindo às crianças e adolescentes, à administração pública e às comunidades resultados significativos”, argumenta Rosalina Teixeira.  

Para saber mais: 

Márcia Glaciela da Cruz Scardoelli e Maria Angélica Waidman - "Grupo" de artesanato: espaço favorável à promoção da saúde mental"

Fonte: http://oficinadeimagens.org.br/atencao-e-cuidado-para-meninos-e-meninas-com-problemas-de-aprendizagem-e-vulnerabilidade-social/

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