Neuroaprendizagem: cognição escolar

 

Por Maria Irene Maluf

"A inteligência é bioantropológica na sua origem, mas psicossocial no seu desenvolvimento, respeitando a heterogeneidade e diferença cultural." (Vitor da Fonseca)

Aprendizagem é um processo cognitivo complexo que, apesar de exaustivamente estudado, tem ainda muito a ser pesquisado. O estudo da aprendizagem envolve várias áreas do conhecimento humano e não é possível afastar esta ou aquela vertente do saber quando se trata de um assunto tão importante, já que é essa capacidade que nos distingue das demais espécies e nos permite a sobrevivência, a manutenção da cultura e é fundamental para melhorar a nossa qualidade de vida em diversos campos como, por exemplo, a educação e a saúde.

Engatinhamos no conhecimento tanto a respeito do cérebro quanto dos processos cognitivos, os quais fazem do Homem o animal mentalmente mais sofisticado sobre a face da Terra. Mas, o domínio científico que temos na atualidade a respeito do funcionamento desse órgão, já nos permite prever um grande número de novas e assertivas possibilidades para elucidar, avaliar e intervir nos processos de aprendizagem, aprimorando nossa prática profissional como psicopedagogos e professores e melhorar a qualidade da aprendizagem de nossas crianças, com ou sem problemas de aprendizagem.

A cognição é um processo mental que não depende da hereditariedade ou idade, é extremante flexível e tem por base os processos envolvidos na atenção e memória, processos perceptivos, simbólicos e conceptuais que nos permitem formar conceitos, resolver problemas, raciocinar, expressar pensamentos, de maior ou menor complexidade e ainda criar, entre outras habilidades que só o Homem é capaz, já que é dotado de um sistema nervoso passível de captar, extrair, integrar, armazenar, combinar, elaborar, planificar e comunicar a informação e ainda revelar tudo isso na forma de novos comportamentos.

Entretanto, para se desenvolver, a cognição não prescinde das experiências constantes da criança com o meio que a cerca. E quanto mais cedo e melhor for a qualidade dessas trocas ambientais, melhor será a cognição e portanto, a aprendizagem. A falta de estimulação das funções cognitivas nos primeiros anos de vida determina inúmeros e comprovados prejuízos no aprender.

Praticamente quatro bilhões de anos se seguiram, a partir do aparecimento da ação e da motricidade ideacional inerentes do Homem, até que surgisse a cognição, que conferiu ao Homem habilidades como a planificação, a precisão de efeitos e regulação intencional dos movimentos, quer com objetivos ligados às questões da sobrevivência, de prazer ou utilidade social.

Para desenvolver pouco a pouco uma maior capacidade de adaptação ao meio e portanto garantir a sobrevivência da espécie, não bastava ao Homem o aprimoramento biológico, promovido especialmente por fatores como clima e alimentação diferenciada. Dessa demanda, surgiram os processos cognitivos, que primeiramente ocorreram através das combinações sistemáticas de ações e ideias. Dito de outra forma, deve-se à sintaxe motora e depois à sintaxe cultural, que a espécie humana tenha suplantado seus ancestrais, e tal processo atingiu seu ápice com o aparecimento da linguagem falada (Fonseca,2008).

Com o passar dos séculos, o corpo e o cérebro foram gradativamente se especializando, de modo que, a partir das primeiras vocalizações de nossos antepassados, chegássemos às mais sofisticadas expressões sequencializadas do pensamento simbólico, em suas formas mais abstratas, e posteriormente à capacidade de decisão de sua execução ou inibição, como hoje conhecemos.

As funções executivas do cérebro constituem "um conjunto dinâmico de funções cognitivas integradas que nos permitem pensar com objetivos, mantê-los na memória de trabalho, dar sequência prática a sua execução, supervisiona-los e os controlar para alcança-los" (Luria,1990). São as deficiências no desenvolvimento das funções executivas que, muitas vezes, determinam as dificuldades de aprendizagem de nossas crianças, já que o aprender exige um importante aporte de condições neurobiológicas, cognitivas e emocionais.

É importante lembrar também que o desenvolvimento físico, emocional, mental, cognitivo e social do Homem durante a sua primeira infância, como apontam inúmeros estudiosos, está interligado diretamente ao estabelecimento fundante dos vínculos afetivos com seus pais, responsáveis maiores por fazer que o filhote mais frágil e que mais tarda a se tornar independente, amadureça em segurança. A família, núcleo que desempenha o papel de mediadora entre a criança e a sociedade, é essencial para sua adequada socialização, que constitui um outro elemento indispensável para o desenvolvimento cognitivo infantil.

Pesquisas científicas também confirmam a importância da qualidade do estímulo familiar: a relação mãe e filho, quando adequada e rica em experiências motoras e sensoriais, prepara a criança para novas e sequentes trocas e desafios com o meio social. Assim, também, constatou-se que o nível de escolaridade da mãe é diretamente proporcional à qualidade da estimulação ambiental recebida pela criança e decorrentemente disso, com o seu desenvolvimento cognitivo, devido à melhor organização e estimulação diária do ambiente, pela compreensão da importância em oferecer estimulação material através de brinquedos apropriados para a idade da criança e maior envolvimento emocional e verbal da mãe com seu filho.

Tendo como ponto de partida conhecimentos mais aprofundados sobre a cognição, é possível desenvolver um novo e assertivo modelo de avaliação da aprendizagem, assim como uma nova intervenção psicopedagógica, mais enriquecedora e que atinja de forma global a cada criança na sua individualidade, ajudando-a a aprender mais e melhor, a partir de seu potencial cognitivo.

Operacionalizando a ideia, trata-se de priorizar a maximização dos processos cognitivos, dentro de uma concepção dinâmica do potencial de aprendizagem de cada criança, levando a educação e a psicopedagogia a abrangerem na sua prática avaliativa e interventiva, o domínio da Neuroaprendizagem, além dos demais que já lhe são próprios. Na avaliação, o objetivo delineia-se como uma aproximação da "arquitetura cognitiva" da criança. Na intervenção, clínica ou escolar, o objetivo é potencializar e otimizar a competência da criança e do jovem de processar informações, desenvolver novos conhecimentos, novos conceitos e ser capaz de operacionaliza-los, em um processo contínuo de relação consigo mesmo e com o meio.

Não se trata de mais um modismo, nem ao menos de novidade, já que a história da educação cognitiva tem mais de um século.

O que ocorre é que a aplicação de seus princípios nas escolas e na psicopedagogia ainda não é tão comum como poderia e deveria ser, já que o domínio do conhecimento sobre os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem promove uma maior assertividade pedagógica, muito especialmente no caso de crianças com dificuldades no aprender.

Referências bibliográficas

Fonseca, V. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica e psicopedagógica. 2a ed. Petrópolis:Vozes,2008.
_________ Aprender a Aprender: A educabilidade cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998
Luria, A. R. Desenvolvimento Cognitivo. São Paulo: Ícone, 1990.

Fonte: http://www.direcionaleducador.com.br/edicao-101-jun/13/neuroaprendizagem-cognicao-escola

 

 

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