Sóbrias emoções

Pessoas com propensão ao alcoolismo parecem ter dificuldade em realizar processos que ajudam a enfrentar situações dolorosas

Wray Herbert

Uma das bases do processo de recuperação do alcoolismo é um conceito conhecido como sobriedade emocional. A ideia é que alcoolistas e outros adictos possam controlar a dependência durante longo período, desde que aprendam a lidar com frustrações e outros desconfortos emocionais que possam levá-los a situações de estresse, ansiedade, ao desejo de consumo da substância e, finalmente, à recidiva. Trata-se, na verdade, de um projeto de vida e requer o cultivo de maneiras totalmente novas de pensar sobre o relacionamento consigo mesmo e com os outros. 

No caso do alcoolismo, por exemplo, a literatura sobre casos de recuperação também mostra que algo óbvio, mas indispensável, “vem primeiro”: é preciso que a pessoa em tratamento simplesmente não beba. Nos primeiros dias de recuperação, muitos profissionais da saúde adotam a prática de orientar alcoolistas a não analisar o motivo de serem dependentes ou se perder em longos questionamentos a respeito de como poderiam ter evitado a situação. A máxima é: “Não pense e não beba”. Viver um dia de cada vez e o que mais puder ajudar, como exercícios, meditações, orações e reuniões, auxiliam a distrair a mente da compulsão de pegar um copo.

Essas abordagens representam dois tipos muito diferentes de regulação emocional. Distração é irracional equivale à retirada cognitiva dos pensamentos sobre o álcool e consequente diminuição da ansiedade do desejo de beber a qualquer custo. 

Trata-se de um instrumento poderoso na caixa de ferramentas do processo de recuperação. Por outro lado, a sobriedade emocional de longo prazo requer o lento, constante e às vezes difícil exercício de pensar sobre situações, relacionamentos, lugares e coisas que uma vez colocaram a pessoa – e podem colocá-la novamente – fora de controle. 

Uma pesquisa recente sugere que uma mente saudável habilmente alterna essas técnicas quando enfrenta emoções desagradáveis. Ao estudar esses mecanismos, os pesquisadores começam a entender como as pessoas lidam com sentimentos dolorosos e o que acontece quando essas habilidades faltam.

PREFIRO NÃO SABER...

Programas de recuperação ensinam alguns princípios fundamentais de regulação emocional, o que costuma ser muito útil já que dependentes químicos parecem não usufruir deles intuitivamente. No entanto, pessoas saudáveis demonstram de forma natural ter mais recursos para lidar com sentimentos negativos. Pelo menos essa é a conclusão de alguns estudos recentes do psicólogo Gal Sheppes e de sua equipe da Universidade Stanford. Os cientistas têm buscado entender melhor as estratégias que as pessoas escolhem para lidar com as emoções negativas de diferentes tipos e intensidades. Os pesquisadores acreditam que processamos diferentes tipos de informação emocional, basicamente, de acordo com as duas formas descritas na literatura: bloqueando-as totalmente ou pensando no assunto com cuidado na tentativa de reavaliar a situação. Por exemplo: se uma experiência ou pensamento for especialmente intenso e ameaçador, as pessoas geralmente cortam logo o mal pela raiz. Simplesmente não prestam atenção ao problema e assim bloqueiam a entrada de ideias desconfortáveis – alcoolistas em recuperação são aconselhados a fazer algo parecido. A técnica impediria que pensamentos negativos potentes ganhassem força.

Por outro lado, pessoas confrontadas com emoções negativas mais brandas não tentam bloqueá-las. Esses sentimentos seriam regulados por um segundo mecanismo cognitivo, por meio de um processamento mais sofisticado para elaborar emoções desagradáveis na tentativa de torná-las inofensivas. Mas, primeiro, os pensamentos negativos devem ser armazenados na memória para reavaliação e reinterpretação. Pelo menos essa é a teoria que Sheppes e seus colegas testaram em uma série de experimentos no laboratório. Eles acreditam que pessoas saudáveis tendem a “deixar de lado” experiências emocionais intensas rapidamente e a prestar mais atenção a experiências leves e menos ameaçadoras, na tentativa de se defender. 

Os pesquisadores recrutaram 20 voluntários e os instruíram sobre os dois métodos de regulação emocional: distração e reavaliação. Na sequência, os participantes deveriam visualizar fotografias retratando emoções negativas em variados graus. Uma imagem de baixa intensidade, por exemplo, mostrava uma mulher apoiando a cabeça com as mãos em um estado ambíguo, que poderia ser interpretado como desânimo ou angústia, enquanto uma fotografia de alta intensidade poderia expor uma pessoa em sofrimento extremo, com sangue escorrendo pelo rosto. Os voluntários visualizaram uma série de imagens, focalizando cada figura durante meio segundo e depois narraram em voz alta durante cinco segundos de que maneira processavam a emoção: se por meio da distração ou pensando sobre como reinterpretá-la. Outros voluntários e observadores assistiam à explanação e caracterizavam as estratégias utilizadas como “distração” ou “reavaliação”. Para ter certeza de que os resultados seriam precisos, os participantes que tinham visto as fotos também deveriam apertar um botão para indicar qual estilo de processamento emocional escolheriam usar.

UMA DOR SUPORTÁVEL

Os resultados foram inequívocos: a maioria optou por prestar atenção quando confrontada com uma fotografia de baixa intensidade e se distrair ao visualizar imagens de alta intensidade, sugerindo que a mudança de estratégias é uma forma normal e saudável de lidar com o lado negativo da vida. Os pesquisadores também aplicaram um “teste surpresa” nos voluntários no final do experimento e descobriram, como já esperavam, que a memória dos participantes fora prejudicada: eles tiveram dificuldades para recordar as fotografias que os fizeram desviar a atenção. O resultado sugere que a distração, usada como estratégia de regulação emocional, ajuda a impedir que a informação emocional negativa entre na memória.

Imagens intensas são estímulos poderosos para fomentar emoções negativas. Mesmo assim, os cientistas buscavam um teste que estivesse mais próximo de eventos da vida real. Por isso, em outro experimento, eles usaram a antecipação de choques elétricos para criar um estado de ansiedade mensurável nos voluntários. Os pesquisadores provocaram emoções intensas nos participantes por meio da administração de 20 choques elétricos de proporções variadas. Pouco antes de cada descarga, as pessoas visualizavam uma breve descrição do nível de intensidade do choque iminente, permitindo-lhes tempo –12 segundos, em média – para escolher e usar uma das estratégias para regular a ansiedade antes de receber o choque elétrico. Assim como antes, os voluntários deveriam dizer em voz alta qual estratégia cognitiva pretendiam usar. 

Os cientistas cruzaram os dados de intensidade do choque com as escolhas cognitivas e concluíram que os resultados foram essencialmente os mesmos obtidos antes. Artigo sobre o experimento, publicado na edição on-line do periódico científico Psychological Science, revela que os voluntários foram muito mais propensos a optar por uma estratégia de reavaliação (“isto não vai ser tão ruim”) na hora de enfrentar um choque desagradável, mas tolerável, e a tentar se distrair na iminência de levar uma descarga elétrica forte e intensamente dolorosa. Ou seja: as pessoas geralmente têm flexibilidade cognitiva para adaptar suas escolhas diante das situações que precisam enfrentar. 

Não é novidade a constatação de que, se for inevitável que surjam emoções negativas, tendemos a optar pelas menos desagradáveis. A elaboração ou reinterpretação emocional de eventos do passado é hoje reconhecida como uma estratégia eficaz de enfrentamento, utilizada como parte importante do processo psicoterapêutico. As conclusões sobre se distrair diante de uma emoção negativa, com a qual é difícil lidar, vão contra uma antiga visão que considera prejudicial evitar ou reprimir reações diante de intensos desafios emocionais. Há evidências de que, em condições extremamente adversas, algum desprendimento emocional pode ser saudável. Esta abordagem parece ser verdadeira pelo menos para vítimas de tragédias, pessoas com depressão grave e para alcoólicos no início do processo de recuperação.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/sobrias_emocoes.html

 

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