Neurobiologia e psicologia da pedofilia

Por Ana Claudia Piccinelli.

(Resenha do artigo: The neurobiology and psychology of pedophilia: recent advances and challenges. TENBERGEN, Gilian; WITTFOTH, Matthias; FRIELING, Helge; PONSETI, Jorge; WALTER, Martin; WALTER, Henrik; BEIER, Klaus M.; SCHIFFER, Boris e KRUGER, Tillmann H. C. Frontiers in Human Neuroscience, v.9, 2015.) 

A pedofilia é definida como uma perversão sexual, caracterizada pela atração sexual em curso por crianças pré-púberes. Na nova definição da DSM-5 (5ª versão do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), publicado pela American Psychiatric Association -APA), a pedofilia é categorizada através da diferenciação entre a preferência sexual por crianças pré-púberes (isto é, pedofilia) e a desordem em caso de fatores adicionais. Esses fatores incluem sofrimento e prejuízo significativo por fantasias ou atitudes no nível comportamental, incluindo o consumo de pornografia infantil e/ou cometer crimes de abuso sexual infantil. Desta forma, o presente trabalho trata das recentes teorias sobre a etiologia da pedofilia, tais como o conceito de um distúrbio neurológico ou alterações de estrutura e função em áreas do cérebro frontal, temporal e límbicas, tendo como principal objetivo oferecer não apenas uma atualização de como a pedofilia pode ser explicada por alterações neurobiológicas e de desenvolvimento.

A prevalência da pedofilia é de 1% na população geral, mas, se forem incluídas fantasias sexuais de cunho pedófilo, a estimativa atinge até 5% da população masculina.

Do ponto de vista clínico, é necessário ressaltar que existem homens pedófilos que restringem o seu desejo de contato sexual com crianças a apenas fantasias, e outros homens que estão em risco de cometer um crime, pois fantasiar sozinho não satisfaz seu desejo sexual. O outro grupo de homens pedófilos inclui aqueles que cometeram crimes sexuais contra crianças. Esses indivíduos podem sentir remorso e procurar ajuda para evitar uma recaída, enquanto outros não. Além disso, é necessário distinguir entre o tipo exclusivo de pedofilia e o tipo não-exclusivo, em função de haver atração também por adultos (Schiltz et al., 2007).

Pesquisas sobre a etiologia da pedofilia sugerem a ideia de um fenômeno complexo e multifatorial em que as influências da genética, de eventos estressantes, de processos específicos de aprendizagem, bem como de perturbações na integridade estrutural do cérebro podem gerar este fenótipo específico de uma preferência sexual. 

Apesar dos diversos métodos clínicos já utilizados para o estudo da pedofilia, como visto no artigo, o autor aponta diversas falhas atribuídas a cada um deles, o que os limita. Porém ressalta ainda, que o método mais importante para determinar um fenótipo de preferência sexual é ainda exploração clínica. Para tanto, o teor de fantasias sexuais, principalmente durante a masturbação revela as preferências de gênero, idade, qual seria o tipo corporal de preferência e as práticas favoritas, sendo assim possível avaliar a preferência sexual em detalhes. Neste método, um ponto negativo seria relacionado aos pacientes envolvidos com o sistema legal, que poderão apresentar respostas parciais ou se recusarem a responder devido a possibilidade de novas acusações.

Homens pedófilos apresentam, na maioria dos casos, histórico de transtornos psiquiátricos, que muitas vezes podem até ofuscar a descoberta da etiologia. Entre pedófilos em tratamento residencial ou ambulatorial, dois terços tinham uma história da vida de transtornos do humor ou ansiedade, 60% tinham história de abuso de substâncias, e 60% são qualificados para um diagnóstico de transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva (25%), sendo anti-social (22,5%), narcisista (20%) e de evitação (20%) as mais comuns. A grande questão nesse caso seria: devemos continuar a classificar a pedofilia como um transtorno psiquiátrico ou como uma orientação sexual?

Os autores apontam três principais teorias neurobiológicas para a pedofilia, a primeira é a teoria do “lobo frontal”, que refere-se ao córtex orbito frontal e dorsolateral do córtex pré-frontal  que apresentam diferenças entre os lados esquerdo e direito e que são frequentemente vistas em homens pedófilos À medida que o córtex orbito frontal é responsável pelo controle do comportamento especialmente na inibição do comportamento sexual, as diferenças de volume ou disfunção nessa área poderiam explicar o distúrbio de comportamento sexual relacionado com pedofilia. Já a segunda teoria do “lobo temporal”, pois existem relatos da hipersexualidade, que acompanha a pedofilia e estudos têm demonstrado que as perturbações dos lobos temporais poderiam resultar em um aumento nos comportamentos pedófilos ou um aumento na amplitude de interesses sexuais. Estes distúrbios incluem lesões temporais e esclerose do hipocampo (Hall e Hall, 2007).

A terceira teoria neurobiológica afirma que diferenças nas estruturas cerebrais de dimorfismo sexual são afetadas pela masculinização do cérebro que influenciaria mais fortemente o desenvolvimento pedofilia, isto é, estruturas cerebrais aumentariam ou diminuiriam seu volume como resultado da exposição à testosterona. Porém as pesquisas não respaldaram essa hipótese, já que nos lobos frontais e temporais, essas diferenças seriam limitadas. Uma teoria adicional, por outro lado, combina as teorias do lobo frontal e temporal, e afirma que os lobos frontais e temporais afetam a expressão da preferência sexual do pedófilo e seus comportamentos associados de forma diferente. Alterações do lobo frontal (orbito frontal e córtices pré-frontal dorsolateral) aumentariam o risco de cometer os crimes sexuais contra crianças e alterações do lobo temporal (amígdala e hipocampo) levariam ao desejo sexual por crianças em homens pedófilos.

Atualmente, a pedofilia é muitas vezes vista como uma interação entre os fatores do desenvolvimento neurológico e o ambiente uterino. A forma como tais interações relacionam-se com a preferência sexual do pedófilo, e o fato deste cometer crimes sexuais contra crianças ou consumir pornografia infantil não estão bem esclarecidas. Pesquisas que tem como objetivo investigar o desenvolvimento neurológico e o papel da desregulação epigenética no desenvolvimento sexual demonstrou resultados que apontam para pequeno componente hereditário em pedófilos, com casos agrupados em famílias e transmissão familiar de fantasias sexuais e comportamentos desviantes. Criminosos sexuais encarcerados são em sua maioria canhotos, têm menor estatura, com duas vezes mais lesões na cabeça antes da idade de 13 anos com contrapartes normais, e parecem ter inteligência inferior, porém não é claro se estas características estão relacionadas com distúrbios do comportamento sexual.

Ao final, os autores sugerem que futuras investigações devem envolver a análise de neuroimagem e utilizar critérios mais rigorosos para inclusão e exclusão de pessoas envolvidas nos estudos, a fim de evitar possíveis confusões e lacunas que possam ser diferentes entres os pedófilos ofensores e não ofensores. Tais mudanças na seleção ajudariam os pesquisadores a entender melhor quais áreas do cérebro estão envolvidas no desenvolvimento sexual dos pedófilos. Exames de sintomatologia e aspectos clínicos da pedofilia devem primeiro tentar replicar conclusões iniciais antes que ideias inovadoras possam ser devidamente testadas, incluindo a testosterona e o seu papel no desenvolvimento pedofilia ou o papel de neurotransmissores, tais como dopamina e serotonina e suas densidades do receptor em relação a perturbações comportamentais.

Referências:

Cantor, J. M., Kabani, N., Christensen, B. K., Zipursky, R. B., Barbaree, H. E., Dickey, R., et al. Cerebral white matter deficiencies in pedophilic men. J. Psychiatr. Res. 42, 167–183, 2008.

Hall, R. C. W., and Hall, R. C. W. A profile of pedophilia: definition, characteristics of offenders, recidivism, treatment outcomes, and forensic issues. Mayo Clin. Proc. 82, 457–471, 2007.

Schiltz, K., Witzel, J., Northoff, G., Zierhut, K., Gubka, U., Fellmann, H., et al. Brain pathology in pedophilic offenders. Arch. Gen. Psychiatry 64, 737–746, 2007.

Para saber mais:

O PERFIL DO PEDÓFILO: UMA ABORDAGEM DA REALIDADE BRASILEIRA - Joelíria Vey de Castro e Cláudio Maldaner Bulawski in Revista Liberdades 06. jan-abril 2011. Publicação do Departamento de Internet do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. 

Fonte: http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?p=2741

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