A neurobiologia da confiança

Nossa propensão a acreditar em estranhos tem relação direta com a presença de uma pequena molécula no cérebro, a oxitocina. Levantamento internacional revela que os brasileiros são os que confiam menos.

Paul J. Zak

Confiar em estranhos pode ser difícil, como no exercício de terapia de grupo em que uma pessoa despenca para trás nos braços de outro. Felizmente, para o bom funcionamento da sociedade, uma neurossubstância chamada oxitocina estimula a confiança em outras pessoas. Se lhe pedissem para cair de costas nos braços de um estranho, você confiaria nessa outra pessoa para segurá-lo? Esse exercício típico da terapia de grupo é uma situação um tanto extrema. Mas, a cada dia, mais pessoas depositam um grau maior de confiança em desconhecidos. Diferentemente de outros mamíferos, nós, humanos, tendemos a passar boa parte do tempo com pessoas estranhas. Os que vivem em cidades grandes navegam por um mar de estranhos, ora optando por evitar certos indivíduos, ora sentindo-se seguros com outros – ou, ao menos, abstendo-se de atacá-los – que nos dão indicações de endereço, por exemplo.

Nos últimos anos, pesquisadores começaram a entender como o cérebro dos humanos decide quando confiar em alguém. E eu e meus colegas demonstramos que a oxitocina, uma simples molécula ancestral produzida no cérebro, desempenha um papel fundamental nesse processo. As descobertas abrem novos caminhos para descobrir as causas e os tratamentos de doenças marcadas por disfunções na interação social.

Buscando Confiança

Cheguei ao estudo da relação da oxitocina com a confiança por um caminho um tanto sinuoso. Em 1998, Stephen Knack, economista do Grupo de Pesquisas do Banco Mundial do Desenvolvimento, e eu começamos a investigar por que a confiança entre as pessoas varia dramaticamente de país para país. Como parte desse esforço, construímos um modelo matemático que descreve os tipos de ambiente só-cio-e-co-nômico-legal, que, espera-se, produzam níveis de confiança altos e baixos. Durante o estudo, constatamos que a confiança está entre um dos fatores indicativos da riqueza de um país; nações com baixo nível de confiança tendem à pobreza. Nosso modelo demonstrou que países com menores níveis são pobres, porque os habitantes se dedicam a um número muito pequeno de investimentos a longo prazo, que criam empregos e aumentam salários.

Ao ponderar sobre a importância da confiança no combate à pobreza, comecei a questionar como duas pessoas passam a confiar uma na outra. Essa informação poderia ajudar os legisladores a criar sistemas econômicos que facilitassem esse processo. Estudos de laboratório demonstraram que pessoas numa mesma situação podem variar grandemente quanto à propensão a confiar em outros indivíduos, mas nenhum descreveu um mecanismo coerente sobre o que se passa no cérebro humano para provocar a confiança. A partir daí, passei a investigar as bases neurais desses sentimentos.

Um grande número de pesquisas com animais apontou para a oxitocina como possível fator contribuinte. Essa pequena proteína, ou peptídeo, composta de apenas nove aminoácidos é produzida no cérebro, onde tem a função de molécula sinalizadora – um neurotransmissor. Ela também funciona como hormônio, percorrendo a corrente sangüínea e influenciando tecidos distantes. Até então, esse peptídeo era mais conhecido nos humanos por seu papel em estimular o fluxo de leite em lactentes e em induzir o parto; ainda hoje, metade das mulheres que dá à luz nos Estados Unidos, por exemplo, recebe oxitocina sintética – chamada pitocina –para apressar as contrações uterinas. E não foi fácil documentar os efeitos mais sutis do peptídeo, pois suas concentrações no sangue são extremamente baixas e se degradam rapidamente. A pesquisa com animais, no entanto, indica que a oxitocina de alguma forma facilita a cooperação – que requer a confiança – em certos mamíferos, e que um parente próximo, a vasotocina, aparentemente promove interações amigáveis em outras criaturas também.

De acordo com biólogos evolucionários a vasotocina apareceu primeiramente em peixes, cerca de 100 milhões de anos atrás. Nesses animais ela facilita a reprodução sexual reduzindo o medo natural da fêmea de se aproximar de um macho, ao ovular. Os biólogos pressupõem que um mecanismo para reduzir o medo durante a ovulação evoluiu devido aos benefícios do sexo – os descendentes e a maior diversidade genética – em contrapartida ao risco de se tornar o almoço de outro peixe.

Nos mamíferos, a vasotocina evoluiu para dois peptídeos intimamente ligados, a oxitocina e a arginina vasopressina. Pesquisas com roedores, iniciadas no final da década de 70, mostraram que essas moléculas também promoveram a afiliação com semelhantes. Cort A. Pedersen e colegas da University of North Carolina, em Chapel Hill, por exemplo, demonstraram que a oxitocina estimulou o comportamento maternal em progenitoras de roedores.

Pouco tempo depois, os zoólogos C. Sue Carter e Lowell L. Getz, ambos da University of Illinois, em Urbana-Champaign, examinaram a oxitocina em duas espécies de pequenos roedores, genética e geograficamente relacionadas: camundongos de planície e camundongos de montanha. Camundongos machos de planície são “cidadãos” íntegros: tipicamente coabitam com a parceira por toda a vida, vivem em grupos sociais e são pais zelosos. Os machos montanheses, em contraste, são “cafajestes” egocêntricos: promíscuos e solitários, tratam os filhos com indiferença. Carter e Getz, assim como diversos pesquisadores que se seguiram, mostraram que a diferença entre o comportamento social nessas espécies de camundongo podia ser atribuída à localização dos receptores de oxitocina e arginina vasopressina no cérebro deles. Para ter um efeito sobre as células cerebrais, as moléculas primeiramente devem ligar-se a determinados receptores na superfície dos neurônios. Nos camundongos de planície esses receptores se concentram nas regiões do cérebro que tornam a monogamia recompensadora – nas áreas do mesencéfalo que modulam a liberação dos neurotransmissores de dopamina e reforçam para o macho o valor da coabitação e do cuidado com os filhos.

O Jogo da Confiança

Embora a pesquisa feita com animais não investigue diretamente a questão da construção da confiança, a importância da oxitocina em unir os animais, a meu ver, implica que ela também pode servir de base para a confiabilidade, condição presumidamente necessária para a aproximação. Na mesma época, cientistas descobriram modos para medir, rápida e seguramente, pequenas alterações nos níveis de oxitocina em amostras de sangue.

O que li sobre roedores sugere que sinais sociais não-ameaçadores induzem a produção de oxitocina no cérebro de recipientes de sinais, e me pergunto se, nos humanos, a abordagem de estranhos que oferecem sinais positivos pode estimular a liberação de peptídeos nos outros. Meus colegas – Robert Kurzban, psicólogo atualmente da University of Pennsylvania, e William Matzner, aluno meu da Claremont Graduate University, à época – e eu mesmo passamos a testar esse conceito para ver se a produção de oxitocina seria afetada por isso e se afetaria o comportamento social em humanos.

Assim, tivemos de descobrir uma maneira para medir o grau de confiança entre estranhos. Numa pesquisa com roedores, um estranho seria simplesmente introduzido na gaiola de outro animal para verificar se o comportamento não-ameaçador pode estimular a liberação de oxitocina; mas a capacidade humana para avaliar situações sociais em potencial é sofisticada demais para uma experimentação simples como essa. A reação das pessoas pode ser influenciada por diversos outros fatores, incluindo aparência física, vestimenta, e assim por diante. Felizmente, os economistas experimentais Joyce Berg, da University of Iowa, e John Dickhaut e Kevin McCabe, ambos da University of Minnesota, à época, já haviam desenvolvido um experimento em meados da década de 90, capaz de medir isso. Nessa tarefa os sujeitos do teste podem sinalizar que confiam em um estranho, sacrificando seu próprio dinheiro numa transferência para um estranho. Eles mandam dinheiro para um estranho por acreditar que essa pessoa, em retorno, irá lhes devolver ainda mais. Os pesquisadores deram a isso o nome de “jogo da confiança”.

Em meu laboratório, o jogo da confiança se dá do seguinte modo: minha equipe recruta pessoas que ganham US$ 10 se concordarem em passar uma hora e meia conosco. Organizamos os participantes em pares aleatórios sem que os dois possam se ver nem se comunicar diretamente. Então, pedimos a ambos que decidam sobre dividir seu dinheiro com o parceiro. Em cada par, uma pessoa é designada sujeito 1 e sujeito 2. Começamos explicando a ambos o funcionamento do jogo. Primeiro o sujeito 1 é convocado, via computador, a decidir se enviará parte dos US$ 10 que recebeu por sua participação com a outra pessoa. A quantia dada é triplicada numa conta para o sujeito 2. Digamos que o sujeito 1 decida iniciar com US$ 6, então, o sujeito 2 terminaria com US$ 28 (três vezes US$ 6 mais US$ 10), e o sujeito 1 ficaria com US$ 4.

Na etapa seguinte, o computador informaria o sujeito 2 sobre a transferência de dinheiro e permitiria a essa pessoa devolver parte da quantia ao sujeito 1, deixando claro que não haveria necessidade de mandar o dinheiro de volta, e assegurando que a identidade e as decisões dos participantes permaneceriam confidenciais. Todo e qualquer dinheiro devolvido pelo sujeito 2 é debitado de sua própria conta na proporção de um-por-um – isto é, a quantia não seria triplicada. Nenhuma decepção seria permitida – os pagamentos são feitos, na verdade, com base nessas escolhas. Imediatamente depois de os participantes tomarem sua decisão, pedimos a eles que fornecessem amostras de sangue para que determinássemos seus níveis de oxitocina.

Interpretando o Jogo

O consenso entre os economistas experimentais é que a transferência inicial mede a confiança, enquanto a transferência retornada molda o valor da confiança. Pesquisadores fizeram e refizeram esse jogo da confiança inúmeras vezes, em diversos países e com apostas maiores.

Nos nossos experimentos, cerca de 85% dos indivíduos que eram sujeito 1 mandaram um pouco de dinheiro de volta para seus parceiros. Dos parceiros que receberam dinheiro, 98% então devolveram algum dinheiro ao sujeito 1. Interessante é que as pessoas, em geral, não conseguem articular nem por que confiam nem por que são confiáveis. Mas, com base nos trabalhos sobre roedores, suspeito que receber a confiança do sujeito 1 induz um aumento da oxitocina e que aqueles que receberam somas maiores do sujeito 1 teriam os maiores aumentos.

De fato, apuramos que o cérebro dos sujeitos 2 produziu o peptídeo ao receber dinheiro do parceiro, logo, sentiram a confiança depositada por um estranho. Além disso, quando os indivíduos sentiram maior confiança sob a forma de mais dinheiro, o cérebro deles liberou mais oxitocina. Para constatarmos se de fato o aumento de oxitocina era conseqüência da confiança depositada, observamos os participantes do grupo de controle que haviam recebido transferências monetárias claramente aleatórias, e não porque alguém confiava na reciprocidade deles.

Esse controle foi importante para garantir que a liberação de oxitocina não estava relacionada apenas ao dinheiro. Descobrimos também que os sujeitos 2 com nível alto de oxitocina confiavam mais – ou seja, eles devolveram mais dinheiro ao sujeito 1, que havia confiado neles.

Receber um voto de confiança aparentemente leva o indivíduo a uma atitude mais positiva para com estranhos que confiaram nele. Uma explicação evolucionária para uma liberação experimental significativa de oxitocina no quadro experimental seria que os humanos têm uma adolescência longa e que uma seleção natural favoreceu pessoas com capacidade para criar uma ligação mais estreita com os outros, por um período longo – até que os mais jovens crescessem e se tornassem independentes. Nossos parentes genéticos mais próximos, os chimpanzés, atingem a maturidade sexual em sete ou oito anos, enquanto os humanos costumam levar o dobro disso e, para florescer, devem continuar a ser supervisionados e permanecem ligados a seus pais durante esse período. Um efeito suplementar do cuidado prolongado com o jovem pode ser o fato de os humanos apresentarem uma poderosa propensão ao relacionamento, por isso se tornam extremamente ligados a estranhos que viraram seus amigos, vizinhos ou companheiros. Se essa premissa estiver correta, não surpreende que humanos criem laços com animais de estimação, lugares e, às vezes, até mesmo carros.

Confiança Artificial

Nosso experimento do jogo da confiança mostrou que somente os sujeitos 2 apresentaram liberação de oxitocina, isto é, aqueles que receberam um voto de confiança. E mais, as pessoas designadas sujeito 1 que iniciaram o experimento com maiores níveis de oxitocina não tinham propensão maior a confiar nos outros – a dar mais dinheiro para o sujeito 2. À primeira vista, essa observação pode parecer contraditória, mas está consistente com novos estudos, que demonstraram que a liberação de oxitocina acontece apenas quando indivíduos já tenham tido contato social com outros. O que parece fazer diferença é o aumento nos níveis de oxitocina, e não o nível absoluto.

É possível então encarar as interações e sinais positivos sociais como a ativação de um comutador: quando o comutador é ligado, o cérebro humano diz: “Essa pessoa demonstrou que é seguro interagir com ele/ela”, e que esse reconhecimento é informado pela liberação de oxitocina.

O que acontece quando a oxitocina é elevada sinteticamente? Se estivermos certos sobre a questão do comutador, que manobra poderia estimular a confiança dos sujeitos 1 em seus parceiros e seria capaz de induzi-los a entregar dinheiro a um estranho? Para investigar essa questão, uma equipe de pesquisa da Universidade de Zurique, liderada pelo economista Ernst Fehr, e eu fizemos com que cerca de 200 investidores do sexo masculino inalassem uma dose de oxitocina sob a forma de spray nasal – ingestão que leva a droga ao cérebro – e comparamos seu comportamento com o dos sujeitos de um grupo de controle que inalaram placebo. Constatamos que os que receberam oxitocina deram 17% mais dinheiro a seu parceiro. Mais esclarecedor ainda, o dobro dos sujeitos 1 dosados – quase a metade deles – os controles exibiram confiança máxima: eles transferiram todo seu dinheiro. Esse experimento mostrou que um aumento da oxitocina no cérebro reduz nossa ansiedade natural – totalmente apropriada – ao interagiremos com um estranho. Deve-se notar, no entanto, que alguns participantes que receberam a oxitocina não apresentaram níveis altos de confiança. Aparentemente, para alguns, um aumento na oxitocina por si só não é suficiente para superar a desconfiança em relação a estranhos. É preciso esclarecer que nosso experimento não teve, evidentemente, relação com manipular a mente das pessoas para esvaziar sua carteira, já que, com certeza, os sujeitos não foram transformados em autômatos. Também não ofereceu a possibilidade que vendedores ou políticos pudessem pulverizar oxitocina no ar ou adulterar alimentos e bebidas alheios para forçar as pessoas a confiar neles. A oxitocina é decomposta no intestino, assim, a administração via oral não provoca efeito no cérebro. Além disso, as formas intravenosa e nasal são facilmente reconhecidas, e expirá-la no ar não elevaria os níveis cerebrais de forma apreciável. Assim, não se deixe enganar por empresas que prometem vender “confiança engarrafada”.

A Química da Desconfiança

Em um experimento, uma participante ficou desgostosa ao receber apenas uma pequena quantia de dinheiro de seu parceiro. A reação dela nos levou a pensar sobre o que acontece quando as pessoas não se sentem confiáveis. Muitos sistemas importantes no cérebro são controlados pelo confronto de forças. Comer, por exemplo, é em grande parte guiado por hormônios que indicam quando iniciar e, depois, terminar de se alimentar. É possível que comportamentos sociais tenham controles semelhantes. A oxitocina constitui um lado positivo das interações pessoais; sentimos literalmente uma sensação agradável quando alguém demonstra confiar na gente, e esse reconhecimento nos motiva a prosseguir. Como discutimos antes, para induzir mães mamíferas a dar atenção aos filhos, a oxitocina provoca a liberação de dopamina em regiões do mesencéfalo associadas a recompensas de comportamento.

Nas pesquisas que se seguiram, ao menos nos homens, não identificamos nenhum aspecto oposto ou negativo, em paralelo ao mecanismo de construção de confiança. Quando os sujeitos 2 do sexo masculino ficam desconfiados – mandando pouco dinheiro ao sujeito 1 –, eles experimentam um aumento em um derivado da testosterona chamado diidrotestosterona (DHT). Quanto mais desconfiança demonstraram no jogo, maior seu nível de DHT. Essa molécula pode ser compreendida como uma testosterona de alto octano, que basicamente é uma DHT desenvolvida e pode provocar alterações profundas, como crescimento de pelos, aumento muscular e espessamento das cordas vocais progressivos que atingem os garotos na puberdade. Níveis elevados também aumentam o desejo por embate físico em situações sociais desafiadoras.

Nossas descobertas indicam que os homens apresentam uma resposta agressiva quando outras não confiam neles. Mulheres e homens relataram igual desgosto por não receber um voto de confiança, mas as mulheres não apresentaram a mesma resposta psicológica exaltada dos homens. A maioria dos sujeitos 2 do sexo masculino tratada com desconfiança não devolveu nada a seus parceiros, enquanto a maioria das mulheres demonstrou reciprocidade proporcional uniformemente entre o grupo; elas tenderam a devolver cerca de uma fração igual à que haviam recebido, sem importar a quantia de dinheiro em questão.

Consideramos as respostas femininas mais “descoladas”, embora não tenhamos ainda estabelecido completamente as bases psicológicas dessa diferença. A possibilidade de uma resposta agressiva a um voto de desconfiança pode nos levar a confiar mais nos outros. A noção de que uma demonstração de desconfiança leva à agressão pode gerar uma demonstração mais confiante que em outras condições, só para evitar a ameaça.

A medição da atividade cerebral durante o jogo de confiança através de ressonância magnética funcional mostrou que confiar em estranhos gera atividade intensa nas regiões do diencéfalo, nas quais a dopamina se fixa e alimenta nosso instinto recompensador.

Esse resultado ajuda a explicar por que os sujeitos 2 que receberam dinheiro, em geral, sentem-se inclinados a devolver parte dele aos sujeitos 1, mesmo que isso represente prejuízo financeiro. A sensação positiva que os sujeitos 2 experimentaram ao corresponder à confiança, aparentemente, rendeu-lhes recompensa física, reforçando o desejo futuro de ser confiável.

Ainda que a maioria das pessoas pudesse ser considerada digna de confiança, 2% dos sujeitos 2, em nossas pesquisas, mostraram-se especialmente indignos de confiança – eles mantiveram todo, ou quase todo, dinheiro que haviam recebido – e, principalmente, exibiram níveis elevados incomuns de oxitocina. Esse resultado sugere que esses indivíduos têm receptores de oxitocina em regiões cerebrais erradas – por exemplo, as que não modulam a liberação de dopamina – ou apresentam receptores desregulados. No último caso, os neurônios ficariam praticamente alheios à liberação de oxitocina, independentemente do quanto fosse feito. Efetivamente, os mais desconfiáveis possuem traços de personalidade que lembram os de um sociopata, indiferente ao sofrimento alheio, ou mesmo estimulado por ele.

Considerações Futuras

Atualmente, meu laboratório está concentrado em examinar se os déficits na atividade de oxitocina no cérebro contribuem para disfunções caracterizadas por dificuldades nas interações sociais. Portadores de autismo, por exemplo, apresentam níveis baixos de oxitocina.

Segundo pesquisas, a reposição de peptídeo nesses indivíduos não produziu nenhum aumento no seu enlace social. Como era de esperar dos sujeitos indignos de confiança no jogo de confiança, esse resultado sugere a possibilidade de uma disfunção dos receptores de oxitocina dos portadores de autismo.

Da mesma forma, vítimas de lesão cerebral em regiões normalmente abundantes em receptores de oxitocina têm dificuldade para discriminar pessoas confiáveis e não confiáveis. Muitos distúrbios neurológicos e psiquiátricos comprometem a interação social, entre eles, esquizofrenia, depressão, mal de Alzheimer, fobia social e mal de Huntington. É possível que o comprometimento do sistema de oxitocina, como verificado naqueles indignos de confiança, interfira nessas doenças.

Uma maior compreensão desses estudos pode levar a novos métodos de tratamento. As operações com oxitocina no organismo parecem ser bastante dinâmicas; o peptídeo interage com outros hormônios e neurotransmissores cujos níveis variam de minuto a minuto e durante todo o ciclo de vida. O estrogênio, por exemplo, aumenta a captação de oxitocina pelos tecidos do corpo, enquanto a progesterona faz o contrário. Esses efeitos indicam que tanto as indicações psicológicas como as ambientais instigam nosso desejo de interagir socialmente.

Eles também sugerem que nossas experiências de vida podem “reajustar” o mecanismo de oxitocina em um “ponto ajustado” diferente e, portanto, em diferentes níveis de confiança ao longo da vida. Viver num ambiente seguro e acolhedor pode estimular a liberação de mais oxitocina, quando alguém confia em nós – e a reciprocidade dessa confiança. Estresse, incerteza e isolamento trabalham contra o desenvolvimento da disposição de confiar.

CONCEITOS-CHAVE

- O desenvolvimento da confiança é essencial para uma apropriada interação social. Portanto, como as pessoas passam a confiar em um novo conhecido ou num parceiro de negócios em potencial?

- Usando uma tarefa experimental chamada o jogo da confiança, pesquisadores descobriram que a oxitocina, um hormônio e um neuroquímico, aumenta a propensão a confiar num estranho quando este não exibe sinais de ameaça.

- Uma maior compreensão das funções e interações da oxitocina com outras substâncias químicas vitais do cérebro poderia levar a um maior discernimento sobre muitos distúrbios caracterizados pela dificuldade de interação social, como o autismo.

CURIOSIDADES

- Está demonstrado que os níveis de oxitocina atingem o pico em homens e mulheres durante o clímax sexual. A sua presumida importância na afeição após o ato sexual rendeu-lhe o apelido de “hormônio do afeto”.

 Oxitocina foi isolada e sintetizada pela primeira vez em 1953, por Vincent du Vigneaud, da Weill Cornell Medical College em Nova York. Por isso ele foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química, dois anos depois.

- Até pouco tempo, era um desafio analisar os níveis de oxitocina no sangue, pois essa substância, que se apresenta em concentrações extraordinariamente baixas, em meros três minutos, reduz-se à metade de sua quantidade original.

OXITOCINA E GENEROSIDADE

Imagine se lhe pedissem para dividir uma aposta de US$ 10 com um estranho. Se o estranho aceitar a sua oferta, vocês dois serão pagos; mas se ele recusá-la, vocês dois não recebem nada. O que você ofereceria? E se você recebesse uma oferta, qual seria o valor mínimo que aceitaria? Esse jogo pode ser usado para medir a generosidade – definida como oferecer a alguém mais que ele/ela precisa.

Um estudo recente, conduzido pelo laboratório do autor, mostrou que indivíduos que receberam uma dose de oxitocina inalada fizeram ofertas 80% superiores que as feitas pelos que receberam um placebo. Além disso, sujeitos que receberam oxitocina não pediram mais dinheiro do que era oferecido. Esses resultados sugerem que oxitocina amplifica nossa empatia por outros e motiva um desejo de ajudá-los.

PARA CONHECER MAIS

Neuroendocrine perspectives on social attachment and love. C. S.Carter, em Psychoneuroendocrinology, vol. 23, no 8, págs. 779-818, novembro de 1998.

How love evolved from sex and gave birth to intelligence and human nature. C. A. Pedersen, em Journal of Bioeconomics, vol. 6, no 1, págs. 39-63, janeiro de 2004.

Oxytocin increases trust in humans. M. Kosfeld et al., em Nature, vol. 435, págs. 673-676, 2 de junho, 2005.

Oxytocin is associated with human trustworthiness. P. J. Zak e outros, em Hormones & Behavior, vol. 48, págs. 522–527, dezembro de 2005.

Oxytocin increases generosity in humans. Paul J. Zak, Angela A. Stanton e Sheila Ahmadi, em PLoS ONE, vol. 2, no 11, pág. e 1128, novembro de 2007.

Centro de Estudos Neuro econômicos: www.neuroeconomicstudies.org

Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/a_neurobiologia_da_confianca.html

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