Como falar de morte com crianças?

O pai voltou do funeral.

Por Carla Maninno

Por trás da porta, seu filho de sete anos, olhos arregalados, amuleto dourado pendurado no pescoço, mergulhado em pensamentos difíceis demais para sua idade. O pai pegou-o nos braços e o menino perguntou: “Onde está a mamãe?”

"No céu”, respondeu o pai, apontando para o azul imenso. O menino ergueu os olhos e se quedou a contemplar o céu infinito. Sua mente confusa lançou um brado na noite: “Onde está o céu?” Não ouviu resposta. E as estrelas pareciam lágrimas ardentes daquela escuridão taciturna. (Tagore - O fugitivo, Parte II, XXI)

 

Quando falamos em infância nossas mentes não associam o termo a questões relativas à perda, muito menos ao tema morte. Para a Psicanálise, Tânatos é a personificação mítica da pulsão de morte, um impulso instintivo e inconsciente que busca a morte e/ou a destruição.

Esse conceito aparece desenvolvido nos livros "Mais além do princípio do prazer" e "Malestar na civilização", de Sigmund Freud. Assim, a princípio, morte e criança parecem tratar-sede assuntos incompatíveis. E realmente seriam?

No senso comum, normalmente diz-se que esse não é assunto do universo infantil, somente do adulto. No entanto, estamos diariamente expostos à morte, seja nas ruas, nos meios de comunicação ou em nossas residências, sendo a criança, inclusive, parte desse cenário. Se sabemos que a morte faz parte da vida, porque insistimos em manter as crianças distantes disso?

Simples. Resistimos à ideia da nossa própria terminalidade, assim, apesar de estar tão perto, insistimos em manter a morte longe, com a ilusão de que ela não irá nos atingir.

Tentamos escapar da dor de encararmos nossa própria finitude, projetando no mundo infantil nossa fantasia de que a morte não faz parte da vida. No câncer na infância, em todas as etapas desde o diagnóstico, do choque inicial, da aceitação do mesmo, do longo período de grande investimento físico e emocional nos tratamentos, até um tempo prolongado de reorganização e aceitação, está sempre profundamente inserida no contexto a questão da terminalidade.

Dentro desse contexto, não permitir ou não possibilitar à criança que o assunto morte, perda e terminalidade seja trazido à tona é fazer com que se crie espaços de grande sofrimento emocional. Impedir a organização e a vivência da dor, expressa e manifesta, é impedir a criança de simbolizar a mais dura das experiências humanas, a morte; não permitindo assim de que a criança tenha possibilidade de expressar a vida, já que esses conceitos estão intimamente ligados.

Embora o tratamento de câncer na criança seja cada vez mais eficaz isso não elimina que ela seja submetida a situações estressantes, envolvendo dor, desconforto, tratamentos prolongados com efeitos secundários que exigem paciência e a restringem de atividades prazerosas ou necessárias ao seu desenvolvimento. Trata-se de uma experiência ruim tanto para ela quanto para seu contexto familiar e social.

A criança emocionalmente saudável e vivendo em um meio familiar relativamente equilibrado demonstra seus sentimentos espontaneamente, portanto, é até mesmo esperado que ela, eventualmente, acabe resistindo em determinados momentos a procedimentos terapêuticos, dificultando assim a cooperação com o tratamento. Se para o adulto, ser acometido por uma doença séria como o câncer não é tarefa fácil, psicologicamente falando, para a criança e seu mundo repleto de fantasias, pode ser aterrorizante. Repentinamente lhe é tirado um espaço que a possibilitava viver de forma livre e plena, lhe sendo oferecido outro repleto de limitações e situações desagradáveis.

Falar sobre a morte neste contexto é delicado e requer que se saiba que não é necessário entrar em especulações ideológicas ou abstratas, nem em detalhes assustadores. Significa simplesmente colocar o assunto em pauta. Que o assunto seja exposto na vida da criança através de imagens, textos - trabalho largamente utilizado de forma terapêutica através dos contos e histórias infantis – de forma simbólica da vida cotidiana da criança. Não significa estar o tempo todo falando no assunto também, e sim, falar dele com bom senso, sem exageros ou proteção em excesso.

É importante saber que a aquisição do conceito de morte pelas crianças não está meramente correlacionado à idade. Ele depende também dos aspectos social, psicológico, intelectual, bem como das experiências de vida dessa criança.

Para falar de morte com crianças deve-se utilizar linguagem simples e direta, bem como uma informação real, pois ela compreende literalmente a linguagem adulta. Somente por volta dos 5 a 7 anos é que a criança consegue adquirir a compreensão total da ideia da morte.

Então, para ajudar a criança seja em processo de luto causado por uma patologia como o câncer, seja para lidar com situações de luto de forma geral, é preciso:

1. Propiciar, primeira e impreterivelmente, um ambiente seguro no contexto familiar e escolar, promovendo a comunicação aberta, onde a criança é informada sobre o que acontece e podendo também expressar o que sente sobre, sem limitações;

2. Garantir que ela terá o tempo necessário – esse indefinido - para elaborar o luto;

3. Assegurar a ela um ouvinte compreensivo que sempre poderá expressar lástima, medo, tristeza, culpa, raiva e saudade;

4. Oferecer sempre proteção, em todos os estágios.

Muitas vezes o universo adulto costuma subestimar tanto a capacidade aguçada de percepção da criança, bem como o incrível potencial que ela possui e que é capaz de enfrentar situações adversas. É comum a criança manter seus sentimentos ocultos por não querer causar aos pais, familiares em geral e amigos, dor ou pesar, no entanto, especialmente na criança com câncer, nenhuma proteção é capaz de fazer com que ela não sinta medo, insegurança,tristeza e angústia.

A criança tem o direito de ter sentimentos, e estes precisam ser esperados,reconhecidos, aceitos e principalmente, respeitados. Por ser o mundo infantil cercado de fantasias, quanto mais suas dúvidas, anseios e angústias forem expressas e satisfatoriamente observadas e cuidadas, mais segura e tranquila ela irá ficar e menos doloroso e mais efetivo será seu tratamento.

Assim, manter um ambiente propício para que a criança expresse seus sentimentos é fundamental. O próprio atendimento psicológico se dá dessa forma. É oferecido à criança um espaço protegido, de confiança, de escuta e cuidado, para que ela tenha a oportunidade de projetar seus medos, suas fantasias e assim, aliviar-se do sofrimento. No entanto, a família tem um importante papel nesse sentido. Sabendo-se das mudanças inevitáveis que ocorrem na rotina da vida dessa criança, na medida do possível deve se procurar manter o máximo possível preservadas as atividades antes realizadas.

Alimentação, brincadeiras, escola, lazer e dinâmicas de rotinas em casa, precisam ser mantidas para que todos percebam que somente algumas coisas mudaram, mas outras sempre serão preservadas, principalmente aquelas que lhes causam possibilidades de compartilhar a vida com prazer, conforto e segurança, em um ambiente de respeito e amor.

Fonte: http://www.revistacontemporanea.org.br/site/wp-content/artigos/edicao12_A_sombra_da_perda.pdf

Livros para conversar com as crianças sobre a morte e outros temas difíceis: http://saudemental.psc.br/materias/esclarecendo/472-livros-infantis-que-ensinam-a-lidar-com-a-morte

 

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