A vida patologizada e medicada

Patologização da normalidade e medicalização da vida: o poder da medicina na sociedade do hiperconsumo

Por Ana Cláudia Leite da Silva Ferreira

A sociedade contemporânea, denominada por Lipovetsky como “sociedade do hiperconsumo”, é pautada na busca pela felicidade e negação do sofrimento, dos conflitos e das angústias. Os indivíduos apoiam-se na ciência como um meio pelo qual é possível compreender e intervir sobre a funcionalidade do mundo natural, estando aí incluído o corpo. Nesse contexto, a Medicina atende às necessidades básicas do “novo homem” ao servir-lhe de ferramenta para regular cada vez mais o andamento de seu corpo, visto, em geral como máquina, modificando-o a fim de melhorar seu desempenho e alcançar o (utópico) completo bem-estar.

Em consonância, observa-se um processo de patologização e consequente intervenção do campo da saúde em aspectos que antes eram considerados inerentes a condição humana, como tristeza, raiva, ansiedade, luto, entre outras. A partir do momento em que cérebro passa a ser visto como uma engrenagem, capaz de regular todas as ações e pensamentos, torna-se possível seu controle, através de fármacos diversos, e, consequentemente, o domínio das emoções e dos comportamentos humanos, a fim de adequá-los ao modelo idealizado do “normal”.

Nesse processo, ignora-se as influências sociais, econômicas, políticas, psicológicas, culturais, entre outras, que atuam sob o ser humano. Atrelada a essa medicalização da vida, observamos uma fuga da reflexão: o uso de substâncias é priorizado em detrimento de outras abordagens terapêuticas. A adoção deste comportamento é confortável tanto ao paciente, que não tem que refletir sobre as origens e consequências de suas angústias, quanto ao profissional, que gasta poucos minutos para prescrever um medicamento, em detrimento das horas que seriam gastas em outros recursos terapêuticos como psicoterapia, oficinas (terapêuticas, expressivas, geradoras de renda, culturais, etc.), atendimento familiar, entre outros. Ao prescrever drogas como antidepressivos, antiansiolíticos, entre outras, sem associar seu uso a outras abordagens terapêuticas, os médicos dão apoio a um modelo de lidar com esses problemas que não se dá pelo enfrentamento deles, mas mediante o uso de uma substância.

Todos esses fenômenos, além de terem sido teorizados por filósofos, sociológicos, médicos e outros profissionais, ao longo de décadas e em diferentes países, também podem ser percebidos na prática. A partir do acompanhamento de atendimentos médicos, desde o início da graduação em medicina na Pontifícia universidade Católica de Minas Gerais, é possível constatar a ânsia dos indivíduos pela identificação e resolução rápida e fácil para suas questões e o descontentamento quando o médico não prescreve um medicamento ou não faz o pedido de um exame, os quais mostraram-se desnecessários após a coleta da história clínica e a realização do exame físico.

Diante das questões abordadas, mostra-se de extrema importância a reflexão, tanto por parte de acadêmicos quanto de profissionais de saúde já atuantes, sobre o poder da medicina como detentora do conhecimento sobre o funcionamento e manipulação do corpo-máquina, bem como é imprescindível o fomento a busca de outras alternativas a serem empregadas a fim de atender às demandas apresentadas pelo paciente e melhorar sua qualidade de vida. 

Fonte: http://www.fundamentalpsychopathology.org/uploads/files/Anais%20Congresso%202014/Posters/73.pdf

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