O que envolve a questão do crack?

É POSSÍVEL RECUPERAR VICIADOS EM CRACK?

Por Luis Indriunas 

Internar ou não internar? Internar na marra ou esperar que eles procurem ajuda? Fazer com que eles diminuam o consumo ou cortar de vez? As imagens de lugares como a cracolândia em São Paulo assustam e parecem mostrar que nossa sociedade é impotente para resolver o problema.

A questão, no entanto, é mais funda e humana do que podem parecer as imagens de usuários de crack circulando como zumbis pelas ruas.

O Deixar Fluir conversou com Leôncio Nascimento, articulador de redes da organização não-governamental É de Lei. Ele trabalha há anos na região da cracolândia e explica como é possível reverter ou pelo menos minimizar o problema, evitando a violência extrema.

A abordagem e trabalho que esses profissionais fazem com os usuários são baseados nas políticas chamada genericamente redução de danos e que surgiu por iniciativa da Inglaterra após a 1ª Guerra Mundial, quando vários soldados voltaram do front viciados em heroína. Para reverter ou diminuir o quadro, começou-se a administrar opiáceos aos dependentes. Hoje países como Canadá e Holanda adotam políticas como essa. O Brasil tem política semelhante ao distribuir seringas para os dependentes de drogas injetáveis, evitando a transmissão de Aids.

No caso específico de São Paulo, foi implantado o programa Braços Abertos, em 2013, após uma desastrosa operação que tentou expulsar os usuários da região central e acabou criando outras pequenas cracolândias pela cidade. O programa é apontado por especialistas como uma política eficiente e humanizada para a questão.

Como funcionava

O programa apostava no apoio a partir de três pilares casa/comida/trabalho para, aos poucos, tentar trazer alguma dignidade ao usuário para, em seguida, fazer com que ele diminuísse ou mesmo parasse de usar drogas. Para tal, o poder público oferecia trabalhos remunerados temporários na varrição de ruas, podas de árvores e faxinas de prédios, além de um quarto em um hotel da região e comida. Esse era o primeiro passo para dar uma certa dignidade ao usuário e, depois, em um trabalho de formiguinha, eles eram abordados por assistentes sociais e profissionais de saúde para a fase de convencimento a aderir a algum tratamento como internação ou diminuição gradativa do uso da droga.

Uma pesquisa feita em 2015 pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas, rede que pesquisa e propõe políticas para a questão das drogas, apontou que 67% diziam ter reduzido o consumo, após entrar no programa. Pessoas que chegavam a consumir dez pedras de crack por dia, passaram a consumir cinco por semana.

Além disso, cerca da metade tinha recuperado o contato familiar; 64% haviam aderido às frentes de trabalho.

Leôncio conta que, em muitos casos, os usuários, além de aderir às frentes de trabalho, começavam a se articular e procuravam apoio para fazer outros cursos profissionalizantes como os de manicure.

Uma ação como essa, como pode se perceber, não é rápida, nem milagrosa como alguns esperam. Entre dar o mínimo de conforto e alimentação a um dependente químico e o início de um tratamento para “limpar” o corpo, era comum demorar entre 4 meses a um ano.

Mas como essas pessoas chegam a uma situação tão extrema?

Território de acolhimento

Os dependentes de drogas não vêm de Marte, nem são pessoas fracas ou maldosas como alguns rapidamente gostam de julgar. Boa parte dos “moradores” da cracolândia é composta de pessoas que foram expulsas de casa por vários motivos, entre os mais comuns estão homofobia, uso de drogas ou problemas de convívio com a família, muitas vezes com casos de violência. Outras vêm das prisões. Sem dinheiro, sem emprego, devendo multas ao Estado por causa da sua condenação pelos crimes cometidos, muitos não têm outra saída a não ser morar na rua.

Na rua, passam fome e frio, sem dúvida. A primeira opção, então, é o álcool. Uma cachacinha inibe a sensação de frio e disfarça a barriga vazia, além de ajudar a dormir no chão duro ao relento. No entanto, a cachaça começa a ficar cara e sobra então o crack, que nada mais é que o refugo (o resto) do que ficou do refino da cocaína e, por isso, custa menos.

Nessa situação, áreas como a cracolândia viram, por mais incrível que possa parecer, um território de acolhimento. Ali, o dependente químico tem a droga para sobreviver e não está exposto aos perigos de dormir sozinho e ser roubado ou agredido por moradores, seguranças e mesmo policiais. Se tiver sorte e for “esperto” pode inclusive ganhar algum troco revendendo pedras ou tornando-se “avião” (o nome dado pelo tráfico para quem leva e traz drogas). Isso porque muitos endinheirados passam pela região quando a noite cai para conseguir umas pedrinhas para sua “diversão” protegidos em seus carros.

Assim, ações como as ocorridos em maio de 2017 na cracolândia não resolve, nem ameniza o problema, apenas tornam mais cruel a situação de quem vive dessa forma extremamente vulnerável. 

Fonte: http://deixarfluir.com.br/com-o-outro/e-possivel-recuperar-viciados-em-crack/

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