A relação entre os irmãos

Irmãos para sempre

A relação entre irmãos nunca é inteiramente fácil ou isenta de conflitos, como gostaríamos que fosse. Relação de amor-ódio, como é frequentemente definida, há quem considere a harmonia fraternal uma pura ilusão.

O certo é que apesar das zangas, das rivalidades e dos ciúmes criados entre irmãos desde a mais tenra infância, os laços familiares permanecem indestrutíveis. Perduram mesmo à distância e as reaproximações abundam, ainda que às vezes tardias. Seja como for, a dinâmica afetiva entre irmãos é extremamente marcante e uma peça fundamental na nossa construção psíquica e história pessoal. Porque destruíste e minha vida? perguntava à mãe um rapazinho precoce, com apenas quatro anos de idade e um irmão acabado de nascer. Resumia nesta frase simples todo o seu sofrimento e deceção ao ver desmoronar um mundo que até aí lhe pertencia em exclusivo. Na verdade, não há volta a dar: o nascimento de um irmão mais novo é sentido pelo mais velho como uma verdadeira intrusão num mundo seguro que assim se vira do avesso. Nesse lugar de amor exclusivo em que era o centro, o irmão «mais velho» sente perdidas todas as suas referências e armas face ao minúsculo intruso que lhe rouba a tranquilidade e o sono. Suporta mal ver a mãe e o pai debruçarem-se sobre o berço, sente-se dilacerado com os carinhos e os cuidados dados a esse novo ser que agora ocupa todo o colo da mãe.

Porém, não é o primeiro nem será o último no mundo a sofrer este «cataclismo interior», que não é mais do que o passaporte para a fraternidade e a partilha. É a condição natural de todos os primeiros filhos. Mas até chegar a usufruir plenamente do prazer de socializar e do gosto em dar e receber, o filho mais velho terá que fazer um caminho nem sempre fácil, pontuado de rivalidades e ciúmes, sentimentos indispensáveis para uma boa construção psíquica apesar da dor que comportam, segundo a opinião dos especialistas neste assunto.

Senão, vejamos. Longe de ser negativa, sublinha o pedopsiquiatra francês Marcel Rufo, a rivalidade é a mola que permite à criança crescer e «vingar» de uma forma saudável dentro da fratria. O velho ciúme, dor de cabeça de muitos pais e tormento dos filhos mais velhos em particular, embora possa ser sentido por outros irmãos, não só é natural, como é sinal de que tudo «vai bem». Problema seria se a criança pequena não mostrasse nenhuma agressividade em relação ao bebé que acaba de nascer. Além disso, o ciúme é instrumento necessário para que o primogénito faça o luto do sentimento do pleno poder sentido graças à sua condição de «pequeno rei». Esse luto vai permitir o difícil mas necessário exercício da partilha. Crescer é um processo que dói, mas é bom e saudável que aconteça.

O filho mais velho

Grande número de pediatras e pedopsiquiatras afirma sem hesitar que na observação dos pais que os vêm consultar é visível que estes se sentem, de facto, muito mais à vontade com o segundo do que com o primeiro filho. Uma das razões tem a ver com as circunstâncias muito específicas em que o primogénito vem ao mundo: «pais inexperientes, que vão ser pela primeira vez pai e mãe, com toda a responsabilidade psíquica e social que isso acarreta», assegura Otília Monteiro Fernandes, Professora Auxiliar do Departamento de Educação e Psicologia da UTAD. Tudo é diferente e novo, em especial para mãe que «vive a sua primeira gravidez e primeiro parto, com os medos, as expectativas, a curiosidade e as alegrias» que este novo acontecimento implica. Para o bebé, «ser o primeiro a 'abrir' aquela mãe, pode não ser fácil», acrescenta. Por outro lado, esta «inexperiência parental leva a alguns excessos» o que se reflete, por exemplo, na quantidade de «idas a consultas e urgências médicas (e até psicológicas) pelas mínimas razões, como otites, febres, suspeitados problemas de comportamento...».

Sente «necessidade de apoio e de conselhos de outros adultos que já foram pais, ou de técnicos especializados. Naturalmente, os segundos e restantes filhos já desfrutam da 'sabedoria/aprendizagem' parental entretanto adquirida através do primeiro filho».

Contudo, ao contrário do que alguns possam pensar, o «excesso de atenção e preocupação parentais não é dramático nem pernicioso», sublinha Otília Monteiro Fernandes, pela simples razão de que ter «a devoção e exclusividade dos 'dois pares de olhos' dos pais só fazem bem à criança primogénita, uma vez que lhe permitem que ela cresça confiante e se sinta segura para explorar o meio ambiente, o que lhe incrementa o desenvolvimento afectivo-cognitivo».

De facto, alguns estudos mostraram que os filhos mais velhos eram «mais inteligentes», revelação que não nos permite, contudo, fazer demasiadas generalizações.

São certamente mais responsáveis, segundo a experiência e a opinião de vários autores, entre os quais Otília Monteiro Fernandes.

Esta responsabilidade pode surgir «como forma de compensar o primogénito das perdas sofridas aquando da 'destronação', quando nasce o segundo filho, perdas essas que incluem, porventura, a mais dolorosa, a exclusividade do pais».

Estes incentivam o filho mais velho a ajudar a cuidar do mais novo «não só para minimizarem os conflitos fraternais, como também para, paulatinamente, irem dizendo ao primogénito que, de ora em diante, já não é o seu único filho, que tem um irmão com quem terá de saber (com)partilhar o espaço familiar».

Segundo a psicóloga, a aprendizagem «da partilha e da sociabilidade» é crucial, uma opinião que, de resto, reúne o consenso de todos os especialistas. Em causa está a maneira como irão, mais tarde, viver as suas relações afetivas, amorosas, de amizade, companheirismo. A socialização e a partilha na infância, são as fundações na nossa vida relacional de adultos.

Por isso, mesmo sozinhos, os filhos únicos deveriam viver numa casa aberta ao exterior, e manter regularmente contactos com amigos, primos e primas. Mas atenção, alertam psicólogos e pedopsiquiatras, há que respeitar a personalidade de cada criança, que é como quem diz, levar em conta as suas paixões, interesses ou temperamentos.

Alguns são mais seletivos e introvertidos, outros preferem a companhia dos amigos, os desportos coletivos e as colónias de férias. Uns e outros não devem ser levados à força a mudarem os seus comportamentos porque é suposto ser mais saudável, mais apropriado ou mais em conformidade com as expectativas dos pais.

Perigos da má gestão

Nenhum filho mais velho está livre de enfrentar a crise que lhe provoca o nascimento de um irmão mais novo, mas cabe aos pais geri-lo da melhor forma, tendo o cuidado, desde os primeiros anos e pela vida fora, de não acirrar as rivalidades e as desigualdades manifestando preferências, fazendo comparações dolorosas, ignorando a dor da rejeição dos filhos, ou não permitindo que exteriorizem o seu sofrimento e o seu ciúme, em particular, sublinhe-se, o do filho mais velho face ao recém-nascido.

Esta «prova terrível», como alguns a qualificam, deve ser inteiramente apoiada por pais atentos e sensíveis, que consigam colocar-se na pele da criança e tentar sentir o que ela sente, prepararem-na convenientemente para essa primeira fase de perdas e de confrontos a que, aliás, se seguirão outros, à medida que for crescendo.

Os pais devem, sobretudo, assegurarem-na de que continua a ser amada. Quanto menos ela duvidar da capacidade que eles têm de amar os dois filhos ao mesmo tempo, menos ansiosa se irá sentir.

No entanto, os ciúmes, são, como acima se refere, uma atitude reactiva normal, mesmo que a sua manifestação se torne muitas vezes difícil de aceitar e «aguentar» pelos pais, confusos e cansados por terem de dividir a atenção e o afecto entre o mais velho e o mais novo, e ainda de prestar cuidados a uns e outros. Mal gerida, a relação entre o mais velho e o mais novo, tal como as relações de todos os irmãos em geral, pode trazer mágoas que se arrastam uma vida inteira e cicatrizes que atestam do muito sofrimento passado entre sentimentos de rejeição e baixa auto-estima.

Convém que os pais tenham atenção aos sentimentos negativos que os seus filhos desenvolvem sem exteriorizarem. Se cristalizados, estes sentimentos tornam-se tóxicos, perturbando a vida da família e o desenvolvimento psíquico da criança que se sente isolada na sua dor. É preciso, porém, ter a consciência de que «a aprendizagem da convivência e da partilha não se faz de um dia para o outro», assim como é sabido que «haverá episodicamente muitos conflitos entre os irmãos», assegura Otília Monteiro Fernandes.

São, de resto, os problemas mais comuns dentro da família. E os que estão convencidos de que os seus filhos, «nascidos no amor», acrescenta Marcel Rufo, «se vão entender perfeitamente», vivem numa grande ilusão.

Liberdade e supervisão

As crianças de hoje não são menos ciumentas que as de ontem, nem a sua agressividade é maior. Na verdade, nos dias que correm é dada mais atenção a este tipo de manifestações, inteiramente «proibidas» em tempos passados, em que as crianças temiam de tal maneira a autoridade dos pais que não se atreviam a exprimir as suas rivalidades e os seus ciúmes. Atualmente elas sentem-se mais à vontade para o fazerem, e as famílias estão cada vez mais sensibilizadas para o desenvolvimento psíquico infantil e mais atentas aos sinais que os filhos lhes dão sobre aquilo que sentem e pensam. Ainda bem que assim é, porque a «expressão livre das rivalidades entre irmãos na infância e na juventude», assegura Otília Monteiro Fernandes, «torna muito mais fácil a relação quando chegarem à idade adulta». Nessa altura, sentirão menos necessidade de «ajustarem contas com o passado». Aos pais cabe «não uma ingerência mas uma supervisão, sem a qual, muitas vezes os mais novos - em princípio fisicamente mais frágeis - poderão ficar esmagados sob o peso da tirania dos mais velhos». Outros especialistas reforçam esta ideia, chamando a atenção dos pais para a importância da vigilância como garantia do respeito pelos interditos, pela proteção dos mais fracos, pelo controle da violência entre os membros da fratria, pela necessidade de colocar limites e referências. Se não o fizerem, reinará a lei do mais forte. Numa outra perspetiva, a hiper-responsabilização do filho mais velho em relação aos irmãos mais novos, em concreto, é sentida com um peso enorme que muitas vezes se manifesta como uma desejo absoluto de perfeição da parte da criança precocemente investida de responsabilidades, tal como um enorme sentimento de medo e culpa de não corresponder às expectativas dos pais.

Os filhos mais velhos não devem ter nenhum papel na educação dos mais novos, sublinha Claude Halmos, psicanalista francesa. É aos pais que compete essa tarefa, ou a outros adultos na falta dos pais. Quando um primogénito tenta compensar a desresponsabilização parental, não lhe restam forças para construir a sua própria vida nem para ajudar os seus irmãos, porque não tem possibilidade de lhes dar as referências que os mais novos precisam. Sentindo essa impotência como uma falha pessoal, facilmente se culpabilizam, com toda a gravidade que isso implica.

Amor e Singularidade

Se as preferências declaradas geram graves desigualdades entre os filhos, provocam culpabilidades difíceis de suportar nos preferidos, e podem afetar gravemente a auto- confiança e a autoestima nos mais mal-amados, há que encarar o lado oposto da questão. Ou seja, não existe uma única forma de tratar todos os filhos, o amor distribuído por todos não é, nem pode ser, «igual» no sentido da qualidade desse amor. Só podemos falar de amor «igual» no sentido em que devem os filhos devem ser amados «na justa medida que eles necessitam», salienta Otília Monteiro Fernandes. «Se cada um se sentir bem com o que recebe, não há reclamações», o que é sinal de que «não há, nem se sente injustiça». As razões das diferentes formas de amar são múltiplas, mas podemos começar por destacar os momentos e as circunstâncias diferentes da vida dos pais em que cada um dos seus filhos nasce e o tipo de disponibilidade parental, física ou psíquica com que as crianças podem contar. Do que os pais sentem e vivem, muito passa para os filhos que absorvem como esponjas os sentimentos dos progenitores, todos os não-ditos mais inquietantes, mas também satisfação e confiança. Mas não é tudo.

Outro fator que influencia é decisivamente a questão da aprendizagem dos pais que supostamente vai aumentando em relação às formas de lidar com a situação, à medida que cada filho que vai nascendo, pela oportunidade de aprender a corrigir erros e práticas. O segundo e o terceiro filho vão certamente beneficiar dessa experiência. Contas feitas, o melhor que lhes podem ensinar é a amarem-se a si próprios, o que passa por vários processos, nomeadamente o de os ajudar a descobrir e a valorizar a sua singularidade. «Não é o lugar ocupado na fratria que importa», sublinha Marcel Rufo, mas sim «a própria criança, a sua personalidade, o seu desenvolvimento, a sua capacidade de adaptação». As crianças de uma mesma família são forçosamente diferentes, têm personalidades, caracteres, temperamentos, estilos diferentes. Daí, a utilidade de os ajudar, como alguém disse, a «tirar de dentro para fora o que de melhor possuem». Talentos, criatividade, competências, capacidades e tudo aquilo que faz de nós pessoas únicas e conscientes dessa singularidade. Quando se verifica esta condição, mudamos a nossa maneira de encarar o mundo, olhando-o com otimismo e confiança. 

Fonte: http://www.paisefilhos.pt/index.php/familia/pais-a-maes/6308-irmaos-para-sempre

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