A esquizofrenia existe ou não?
A ESQUIZOFRENIA NÃO EXISTE
(traduzido por José Cunha Oliveira a partir dos trabalhos de Jim van Os - professor de psiquiatria da Universidade de Maastricht)
Talvez seja a perturbação mental mais assustadora: esquizofrenia, uma doença cerebral progressiva e grave de origem genética. As pessoas que sofrem dessa condição não têm cura e os profissionais de saúde mental perante ela sentem-se de mãos vazias. Verdade ou não?
Não é verdade. A esquizofrenia, uma condição erradamente conhecida como a doença da 'mente dividida', não existe. Isso não é nada que estejamos agora a inventar, é algo que se afirma na DSM-5, quando reconhece que a esquizofrenia é um conjunto de critérios, determinados por comissões [de peritos]. Critérios esses que mudam constantemente e que, além disso, diferem dos utilizados mundialmente por outros sistemas de diagnóstico.
O que existe, isso sim, são o espectro das psicoses: cerca de 3% da população geral sofre dela, sobretudo na adolescência ou no início da idade adulta. No estado psicótico, o pensamento e a percepção são "sequestrados" por emoções pessoais a tal ponto que as outras pessoas não conseguem entender. Além disso, a psicose está ligada a alterações da motivação, do humor e da cognição.
Sabemos que as confusões e os equívocos rodeiam também outros problemas de saúde mental. A diferença é que no caso, por exemplo, de uma depressão ou de um transtorno de ansiedade, a ajuda está prontamente disponível. Quando se trata de psicose, a situação já não é tão auto evidente e há uma tendência a considerar as pessoas com psicose como "casos perdidos".
Isso é um perfeito disparate. A investigação mostra que a maior parte das pessoas que experimentam a psicose recuperam ou aprendem a viver com a sua vulnerabilidade, com o tipo de tratamento adequado. No entanto esse tipo de tratamento não está suficientemente disponível, por três razões. Primeira, temos falado tanto uns com os outros, com um penetrante pessimismo em relação ao futuro das pessoas com psicose, que a esperança e a recuperação não são automaticamente o aspeto central durante o tratamento. Segundo: as abordagens que funcionam, tais como o suporte intensivo para voltar ao trabalho e / ou a educação e a psicoterapia, não estão amplamente disponíveis. Terceiro: os sistemas de cuidados de saúde estão a ficar cada vez mais burocráticos e distraídos pela rotina do resultado. Em tais sistemas, não há espaço para o processo psicológico de recuperação.
Dado que as pessoas com psicose recebem um tratamento insuficiente, muitas vezes abandonam o trabalho e a escolaridade para permanecerem presas a uma vida vazia, até uma morte prematura. As suas vidas são cerca de um quinto mais curtas do que a média das outras pessoas, o que constitui uma forma grave de injustiça social. Para acabar com isso, lançámos o site schizofreniebestaatniet.nl (schizophreniadoesnotexist.nl), para dar às pessoas com psicose a sua rede e sociedade como um todo e uma perspectiva realista sobre o tratamento e a recuperação. O nosso objetivo é banir o termo esquizofrenia nos próximos cinco anos e observar os seguintes princípios que devem estar subjacentes a bons cuidados na psicose:
14 Princípios para os bons cuidados nas psicoses
1. É cientificamente impossível estabelecer uma distinção clara entre psicose e outras experiências: pode-se ver a psicose como um estado durante o qual as emoções pessoais impactam o pensamento e a percepção a tal ponto que se torna difícil para as outras pessoas entendê-las. Além disso, a psicose está ligada a alterações da motivação, do humor e da cognição. A psicose é tratável, tal como a depressão e a ansiedade.
2. Mais de 15% dos adolescentes e jovens adultos experimentam sintomas psicóticos ligeiros (ouvir vozes ou paranóia) ao longo do desenvolvimento. Em 80% dos casos, os sintomas desaparecem por si mesmos – estas pessoas seguem simplesmente a sua vida e o seu funcionamento não é afetado.
3. Cerca de 3,5% da população em geral desenvolve sintomas psicóticos, combinados com mudanças na motivação, no humor e na cognição, que são tão graves que requerem tratamento. Os seus sintomas são parte de uma síndrome psicótica que se manifesta de forma diferente em cada pessoa. O nome para esta ampla síndrome poderia ser Síndrome de Suscetibilidade à Psicose, ou Síndrome do Espectro das Psicoses – PSS, abreviado [sigla em inglês].
4. O curso do PSS varia muito e é imprevisível. Só 20% das pessoas com PSS têm um prognóstico desfavorável; a maioria recupera ou aprende a viver com a sua condição.
5. O PSS representa muitas vezes uma reação a um trauma, revés, decepção, discriminação ou humilhação – e o fardo torna-se demasiado pesado para o indivíduo.
6. A visão ainda dominante, mas sem comprovação científica, de que o PSS é causado por uma doença cerebral biomédica subjacente (“esquizofrenia”) contribui para as expectativas negativas quanto à possibilidade de mudança e de recuperação e não deve ter um lugar central na formação de profissionais de saúde mental.
7. A psiquiatria fragmenta o PSS num conjunto de 'esquizo-diagnósticos' (tais como: esquizofrenia, perturbação esquizofreniforme, perturbação delirante, etc.). Tais diagnósticos não são úteis, uma vez que cada pessoa tem uma diferente combinação de sintomas que não se encaixa perfeitamente numa gaveta diagnóstica.
8. Para recuperar de um PSS, deve dar-se à pessoa esperança e perspectiva desde o primeiro momento. A recuperação é um processo psicológico. É um processo de aprender a adaptar-se e a desenvolver uma nova perspectiva, com o apoio de pessoas com experiências vividas de psicose se necessário, de médicos e terapeutas que apoiem o processo de recuperação.
9. Desde as primeiras fases do tratamento, toda a pessoa com PSS deve ter acesso a alguém com experiência vivida de psicose. Uma pessoa com experiência vivida está numa posição única para oferecer perspectiva e esperança ("eu também recuperei").
10. O principal objetivo do tratamento é fazer com que a pessoa volte ao seu ambiente, estudos e / ou trabalho. Os estudos e o trabalho são pré-requisitos para a recuperação: mesmo que permaneçam sintomas residuais, as pessoas podem recomeçar onde pararam. A prática de esperar para a recuperação total é contraproducente.
11. Quem quer que entre com PSS no sistema de saúde mental deve ser incentivado a falar sobre a sua psicose. O conteúdo da psicose deve ser visto como algo significante, que pode representar a chave de questões subjacentes.
12. A psico-educação não deve introduzir como tema central um modelo biomédico, não comprovado, de doença do cérebro.
13. Quem quer que sofra de psicose deve ter acesso a psicoterapia por um terapeuta experiente.
14. Os antipsicóticos podem ser necessários para reduzir a psicose, mas não corrigem uma [suposta] anomalia biológica subjacente. Os antipsicóticos não são nenhuma cura. É necessária muita atenção em otimizar a dose individual para atingir a menor dose possível e evitar a polifarmácia irracional.
A esquizofrenia não existe, o que é bom. Porque muita coisa se pode fazer a respeito da PSS.
Para mais informações:
“Schizophrenia” does not exist - BMJ 2016; 352 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.i375
Fonte: https://ouvirvozes.files.wordpress.com/2016/11/a_esquizofrenia_nc3a3o_existe.pdf