A construção de uma psicanálise contemporânea
A melhor teoria é a que melhor pode interrogar o paciente
Por Luiz Hornstein
Como construir uma psicanálise contemporânea, aberta às trocas com outras disciplinas e ao desafio que impõe cada conjuntura sócio-cultural, sem perder especificidade nem rigor? Como produzir um pensamento teórico que, sempre ancorado na clínica, seja capaz de desafiar dogmatismos e falsas seguranças de clientela?
O que é uma análise senão um encontro único? O encontro de um analisando com a sua história e de um analista com a sua história (pessoal, teórica, analítica, prática) e uma disponibilidade para a escuta que estará ao serviço de uma experiência singular, a reforçará, a ajudará a sê-la. Um analista trabalha através da sua disponibilidade afetiva e da sua atenção flutuante. Na Clínica atual é solicitado muito mais: a sua potencialidade simbolizante, não só para recuperar o existente mas para produzir o que nunca esteve ali.
Um psicanalista é uma trajetória, alguém que debate (e se debate) com a clínica, com os textos, com a sua própria psicanálise, com as mil facetas da sua vida. Alguém disposto à história e a trabalhar a história, a diferença. Sua afiliação é a um trabalho de pensamento e não a instituições e nem linhas. A partir de uma trajetória pode-se pensar numa praxis, enquanto uma linha é algo que se aplica. O lugar para fazer aflorar os gostos é a leitura, o estudo. Privilegiamos certos aspectos da teoria. Na Clínica, em vez disso, o que se privilegia é o paciente e nós somos todo o terreno na medida das nossas possibilidades.
Desde o nascimento o ser humano enfrenta lutos, "escolhe" mecanismos de defesa, compõe uma realidade vincular. É desta história que vamos tentar forjar uma nova versão sem substituir a história singular por uma universal, supostamente proporcionada pela teoria. No resgate da singularidade histórica reside a diferença da psicanálise com as terapias sugestivas e morais, que nunca acabarão de morrer, pois a crença oferece os seus santuários. A psicanálise consiste em ouvir o outro como outro. E na prática o lugar da história é conjugado com aquele que atribuímos a história na constituição do sujeito e com a concepção da transferência como um processo histórico. Também com a conceitualização que tenhamos da história coletiva.
A Psicanálise remete para uma história, mas não repete uma história, ainda que à repetição se lhe juntem as lembranças e as reelaborações. São as interpretações e construções permitem ao analisando apropriar-se de um trecho da história, a fim de colocá-lo ao serviço do seu projeto atual. Se nas referências à história pensamos em estados afastados do equilíbrio descobrimos que, através da transformação do acaso em organização o psiquismo desenvolve potencialidades. O esporádico, o raro, é o equilíbrio e a simplicidade. O incessante é a turbulência. Vista assim na história do psiquismo -de uma só vez destruidora e criadora - voltamos a pensar nas séries complementares.
Uma forma de pensar complexa se prolonga em uma forma de agir complexa. É por isso que o método, nos tratamentos, deve incluir iniciativa, invenção, arte, até tornar-se estratégia. Estratégia e não um programa. A estratégia aceita a incerteza. O projeto terapêutico visa modificar a relação entre o eu e os retornos do reprimido de forma que percam sentido as inibições, as defesas, a angústia, os sintomas e os estereótipos caracteriais aspirando a que o paciente descubra que os seus encontros atuais são influenciados pelos privilégios que são concedidos a tal ou qual traço do objeto, a tal ou qual referência distintivas e a tal ou qual forma de compensação narcisista.
Para saber mais: https://www.pagina12.com.ar/163277-la-mejor-teoria-es-la-que-mejor-puede-interrogar-al-paciente?fbclid=IwAR0eT_rsGUinB7DMraZ937-_Y7C6_rWsmRLfed2Seg6esVccAxsFzgMjZ2I
Fonte: https://www.facebook.com/luishornstein/posts/10218798010124697