A abordagem "Open Dialogue" e suas origens

 

Abordagem Open Dialogue na Finlândia: entrevista com Jaakko Seikkula  

Por Ana Carolina Florence e Silvio Yasui 

Jaakko Seikkula, PhD, é membro do Institute for Dialogic Practice (Instituto para Prática Dialógica) e Professor de Psicoterapia na Universidade de Jyväskylä, Finlândia. De 1981 a 1998, foi Psicólogo Chefe no Hospital Keropoudas em Tornio, Finlândia. Nesse período desenvolveu a abordagem Open Dialogue, estratégia de atenção a problemas graves de saúde mental com enfoque de rede e caráter dialógico. Esta abordagem tem apresentado resultados surpreendentes na recuperação de pessoas com problemas graves de saúde mental, extensamente documentadas na literatura internacional 1-5. 

A abordagem Open Dialogue tem sido adaptada em diversos países do mundo. Com grande experiência clínica e acadêmica, Seikkula realizou investigações sistemáticas dos desfechos e variáveis implicados no tratamento de problemas graves de saúde mental a partir da abordagem Open Dialogue. Seikkula está à frente da International Meeting for Treatment of Psychosis Network [Rede de Encontro Internacional sobre o Tratamento das Psicoses] e é membro do conselho da International Family Therapy Association (IFTA). É também membro da Sociedade Americana de Terapia Familiar; da Sociedade de Pesquisa em Psicoterapia e da Sociedade Internacional de abordagens Psicológicas e Sociais das Psicoses.

Apresentamos aqui uma entrevista que fornece um panorama do surgimento da abordagem Open Dialogue na Finlândia, priorizando as condições para seu desenvolvimento enquanto conjunto de práticas e sistema de saúde mental na região da Lapônia Ocidental. Discutimos, ainda, alguns elementos para sua possível adaptação em diferentes contextos. A entrevista foi concedida a um dos autores em Tromsø, Noruega, em setembro de 2017, durante o 22º International Meeting for the Treatment of Psychosis. 

Você pode contar um pouco sobre o começo do Open Dialogue? Qual o contexto político na época? Quais foram os elementos que possibilitaram o aparecimento da ideia e o que inspirou esta abordagem? 

A origem do Open Dialogue foi num pequeno hospital psiquiátrico em Tornio, Finlândia. Lá eu trabalhei como psicólogo clínico em 1981, um novo médico, que era diretor do sistema na época, havia chegado como chefe da Psiquiatria e, um ano depois, chegou Birgita Alakaare, que também veio a trabalhar no sistema. Todos tínhamos interesse em ter um sistema centrado na família e tratamentos nos quais ela fosse incluída. E o ponto de origem nesse hospital foi que o serviço vinha há vinte anos sendo um local para os pacientes cronicamente adoecidos.

Na Finlândia, naquele tempo, havia dois tipos de hospitais: hospitais psiquiátricos e hospitais destinados a pessoas que não necessitavam de tratamento agudo, mas que necessitariam de algum tipo de apoio para toda a vida. E, naquela época, não havia outro tipo de serviço para atender essas pessoas. Mas as coisas mudaram, e uma nova lei estabeleceu que esses antigos hospitais deveriam ser fechados e as pessoas transferidas para unidades menores.

É interessante você perguntar sobre o contexto político, pois, nessa pequena província [Tornio], havia uma ameaça de perda do hospital central que existia na área e que seria desativado caso não tivesse todas as especialidades médicas em funcionamento, e eles não contavam com atendimento psiquiátrico. De repente, se percebeu que havia um pequeno local, que poderia ser chamado de hospital, e então se começou a investir neste local que, originalmente, se destinou a pacientes crônicos e, gradualmente, se transformou num serviço de atendimento psiquiátrico para casos agudos. Isso significou que as pessoas que ocupavam cargos políticos importantes na região passaram a participar da administração local, fato que abriu inúmeras possibilidades, pois eles apoiaram novas ideias para o desenvolvimento de um novo sistema de saúde mental.

Enquanto equipe, nunca sentimos algum tipo de restrição ao trabalho que desenvolvíamos, de modo que tínhamos todas as possibilidades de oferecer o melhor tratamento possível. É claro que havia limites orçamentários, mas, além de não haver restrições, ali se investia mais do que o habitual em treinamento de equipe e educação continuada, visto que nosso orçamento para educação no hospital era maior quando comparado com o resto da Finlândia. Havia, pois, recursos disponíveis para o projeto. Este era, portanto, o contexto no qual começamos a trabalhar; e, talvez, outro ponto na origem do projeto e que o tornou possível é que, entre todas as categorias profissionais, eu era o único psicólogo clínico: havia dois médicos e algumas enfermeiras, que foram pessoas fundamentais. Tínhamos em comum os mesmos interesses. Assim, não havia diferenças dentro das equipes, como médicos que não quisessem seguir a ideia principal. Todos tínhamos o interesse de trabalhar numa perspectiva psicoterapêutica e queríamos incluir as famílias no tratamento.

Quando começamos a trabalhar dessa forma, tínhamos uma visão bastante tradicional sobre como o tratamento deveria ocorrer quando alguém era hospitalizado: é a mesma visão que ainda vigora em diversos locais. Refiro-me ao modo de trabalhar em que, após a admissão e a anamnese do paciente feita pelo médico, o psicólogo realiza a testagem psicológica, as enfermeiras preenchem os prontuários e, em seguida, se realiza uma reunião de equipe na qual se formula um plano terapêutico. Era o que acontecia no início. E, como parte disso, também achávamos que as pessoas precisavam de reuniões familiares, mas não obtivemos sucesso neste modo de trabalhar. Apenas 5% das famílias, em 1981, 1982 e 1983, participavam destas reuniões, o que era bastante problemático. E em 1984 soubemos de outro local na Finlândia, o hospital psiquiátrico de Turku, em que havia um professor, Yrjö Alanen, cuja equipe havia desenvolvido algo chamado Need Adapted Approach (Abordagem Adaptada a Necessidades); há muita literatura sobre este assunto, e como parte desta abordagem eles haviam desenvolvido a ideia de reuniões abertas. O plano era que todo tratamento que responde a crises psicóticas deveria ser adaptado às necessidades singulares de cada paciente e cada família. E por esta razão eles pensaram que deveria haver um fórum e reuniões, o que levou à ideia de que todas as reuniões deveriam ser abertas, de modo que a voz do paciente admitido no hospital participasse desde o princípio e que as famílias também deveriam ser sempre convidadas para as reuniões, ao invés de se pensar num espaço para terapia familiar. Ao mesmo tempo, eles fizeram uma outra grande mudança no sistema, que consistiu na ideia de que tudo acontece num contexto aberto: isso significa que os médicos param de realizar entrevistas de anamnese individuais com os clientes e tudo deve acontecer em equipe. Assim, toda questão ligada ao que aconteceu (com o paciente), como o problema pode ser entendido, o que se pensa ser melhor para o tratamento, tudo isso deve ocorrer em fórum aberto. Esta foi uma ideia decisiva que nos apareceu no verão de 1984 e, imediatamente, decidimos começar a colocá-la em prática. É engraçado, pois, muitas vezes, me perguntam quanto tempo demorou para se implementar este novo modo de trabalhar: e levou um dia.

Em 7 de agosto de 1984 tudo estava mudado. Tínhamos, naquele tempo, o que se chamava Schizophrenia Summer Schools (Curso de Verão sobre Esquizofrenia) todo ano e, naquele verão, soubemos da equipe em Turku, que contou sobre seu modo de trabalhar; e quando retornamos ao trabalho, depois desse encontro, imediatamente decidimos: de agora em diante não haverá discussões sobre o tratamento do paciente se ele não estiver presente e em todas as situações as famílias estão convidadas a participar; não realizaremos mais atendimentos individuais, tudo acontecerá em grupo. E foi isso que começamos a fazer. Este foi basicamente o início do que aconteceu. Em seguida, as primeiras experiências que tivemos com esse tipo de reuniões abertas tiveram um bom desfecho, eram reuniões muito potentes, que incluíam pacientes e famílias, e os bons resultados nos encorajaram a continuar. Mas, ao mesmo tempo, começamos a ter experiências muito confusas, que não entendíamos bem o que eram. E essa confusão decorria do fato de ainda termos uma ideia de que precisávamos ter o controle dos processos de tratamento pela tentativa de seguir projetos terapêuticos. Mas, em muitas situações, como as portas estavam abertas para as famílias participarem das reuniões, eles tinham muito a dizer sobre como gostariam de ser tratados e, de fato, não aceitavam mais a ideia de que seriam apenas receptores do tratamento planejado e se tornaram participantes ativos do novo processo. Isto significou que, chegando a uma espécie de beco sem saída, em que repetidas vezes tentamos decidir e planejar os tratamentos, sem sucesso, subitamente a mudança começou em algumas ocasiões em que alteramos nosso comportamento. Seja desistindo da ideia que vínhamos repetindo muitas vezes sem nenhum sucesso, seja por meio de outras mudanças que, surpreendentemente, originaram transformações na família ou na nossa relação, fato que levou à melhora do tratamento. 

Após essas experiências, chegamos a duas conclusões: primeiro, que a formação que tivemos não foi suficiente, pois não ofereceu os pré-requisitos necessários para o trabalho nesse tipo de setting aberto — sendo necessário que haja treinamento; e desde 1986 decidimos que haveria formação continuada dentro do hospital, seguindo os critérios de formação em Psicoterapia na Finlândia, que dura três anos. Essa decisão se revelou de suma importância, pois significou que o nível de formação das equipes fosse, e se mantenha até hoje, muito alto. Não se trata de aplicar ideias isoladas, mas podemos realmente dizer que as pessoas que trabalham nesse contexto têm a formação adequada. E todos os novos profissionais passam pela formação, novos médicos, enfermeiras, psicólogos, sendo que esta não é dividida por categorias profissionais, do mesmo modo que o tratamento conta com todos esses profissionais trabalhando em pé de igualdade. A segunda conclusão foi que a experiência foi tão confusa que percebemos, realmente, precisarmos de métodos para avaliarmos o processo e, também, termos informações sobre os desfechos dos tratamentos, pois, na maioria das vezes, não sabíamos o resultado, se havíamos falhado, se estávamos no caminho certo ou não – e esta foi a razão para se começar a pesquisar sistematicamente esse novo sistema.

Firmamos, então, uma parceria com a Universidade de Jyväskylä para termos um projeto de pesquisa sobre a reforma psiquiátrica na região da Lapônia Ocidental. Então tudo foi sistematizado. Um dos primeiros estudos enfocou o que aconteceu com as pessoas que foram encaminhadas para o hospital pela primeira vez, pois o que acontecera nos anos que se seguiram a 1984 foi que percebemos que o sistema hospitalar — a rotina diária nas alas — deveria se reorganizar, pois não havia reuniões com os clientes e com as famílias, de modo que começamos a seguir a ideia de que estas deveriam ser convidadas, mas isto aconteceu antes de se abrir espaço na rotina tradicional do hospital. Assim, surgiu a ideia de que as reuniões deveriam ser organizadas antes da internação hospitalar.

Nesse primeiro projeto de pesquisa, observamos o que acontecia com as pessoas quando elas recebiam um encaminhamento para o hospital psiquiátrico; porém, antes da internação, realizava-se uma reunião. Analisando os dados, percebemos que ٤٠٪ dos encaminhamentos para internação não resultaram em hospitalização, pois uma equipe realizava reuniões na casa das pessoas antes da admissão em um ou dois dias após a solicitação de vaga. E, novamente, isto reorganizou o sistema, pois a necessidade de hospitalização baixou dramaticamente e organizamos equipes móveis de atendimento a crises na área. Deste modo, passamos a cuidar das crises por meio de visitas domiciliares. Isto aconteceu nos primeiros cinco anos de desenvolvimento da abordagem (Open Dialogue), então, passamos a viver num sistema de saúde mental muito diferente, iniciamos a formação dos profissionais e tínhamos ideias para novas práticas.

Em 1994 e 1995, Jukka Aaltonen, nosso parceiro na Universidade, estava envolvido em um projeto de pesquisa sobre como era esse novo sistema em comparação com o anterior, no qual todos eram hospitalizados nas crises mais severas. Fizemos a pesquisa conduzindo uma análise qualitativa e comparada de prontuários de pacientes. Analisamos três mil prontuários, que representavam o total de pessoas internadas na província de 1985 a 1994, dos quais trezentos foram selecionados por apresentarem um primeiro episódio psicótico e comparamos o novo sistema — de atendimento móvel à crise — com o antigo, centrado na hospitalização de pessoas com problemas psicóticos. E, fazendo esta comparação, concluímos quais eram os elementos fundamentais para o novo tratamento, que ficaram conhecidos como os sete princípios da abordagem Open Dialogue.

Isto é, a ideia de que o tratamento ideal é aquele que garante ajuda imediata, que o tratamento sempre inclua a família e, em alguns casos, outros parceiros da rede social da pessoa em crise, o que chamamos de perspectiva de rede social. Também percebemos que o tratamento ideal deve ser flexível e se adaptar às necessidades singulares, aplicando todos os métodos disponíveis, fato que significa tratar-se de uma abordagem integrativa e não de algo que escolhemos em lugar de outras coisas; assim, nenhum método de tratamento foi excluído com o surgimento do Open Dialogue. O terceiro ponto foi garantir a disponibilidade do sistema de tratamento, assumindo a responsabilidade pelo tratamento das pessoas. Trata-se do seguinte: o primeiro membro da equipe a ser contactado se torna responsável pela organização das reuniões, mesmo que não fique evidente, no início, tratar-se de um problema psiquiátrico, como em casos ligados ao uso de drogas ou álcool, pois, com isso, aprendemos que é necessário integrar o sistema. Podemos convidar alguém do ambulatório ou da assistência social, caso o problema esteja relacionado ao uso de substâncias, por exemplo. É importante estar nessa primeira reunião para definir qual será o tratamento e qual será a equipe que acompanhará o cliente. Assim, passamos a integrar melhor o sistema, convidando profissionais de outros serviços para compor a equipe que acompanhará o cliente. 

O que acontece ao longo do processo?  Parece que o sistema de tratamento ideal é aquele que garante a segurança das pessoas envolvidas ao mesmo tempo que suporta incertezas. Não há respostas prontas ou rápidas conclusões, mas é necessário se unir para tolerar uma grande carga de ansiedade, emoções e incertezas. E, por essa razão, um processo ideal se concentra mais na geração de diálogo para compreender o que aconteceu no sistema familiar, ao invés de se centrar na remoção rápida de sintomas ou na promoção de mudanças no sistema familiar. Em 1995 realizamos os últimos esforços dessa pesquisa e chegamos ao nome Open Dialogue. Enfim, o ponto é promover diálogos e estar aberto de uma maneira que tudo aconteça em fóruns abertos; não há reuniões individuais, os clientes participam de todas as reuniões, as famílias estão sempre convidadas, mas é claro que a ideia do nome Open Dialogue também remete ao fato de que o diálogo está sempre aberto em oposição às ideias fixas e fechadas. 

Uma parte importante da experiência finlandesa do Open Dialogue é que ele não se tornou apenas um modo de trabalhar e pensar, mas também se tornou o sistema de Saúde Mental da região. Por que isso não ocorreu em toda a Finlândia, mas apenas numa província? 

Isto não é inteiramente verdadeiro, pois, originalmente, tivemos um grande projeto nacional chamado Schizophrenia Project (Projeto Esquizofrenia), que foi dividido em duas partes: cuidado de pessoas crônicas e cuidado de crise em problemas psicóticos. Como parte da conclusão desse projeto nacional, se propôs que cada distrito sanitário — há 21 deles na Finlândia, a Lapônia Ocidental é o menor — deve ter uma equipe responsável por problemas psicóticos sob sua administração, para garantir o início precoce do tratamento. Essas equipes direcionadas a problemas psicóticos foram implantadas por toda a Finlândia, de maneira que o sistema todo se modificou no país, e as equipes seguiam essa ideia de reuniões abertas. As reuniões que propusemos foram implantadas em todo o sistema finlandês. Pode-se dizer que é uma inovação finlandesa e é muito utilizada nos serviços; deste modo, o sistema finlandês é bem diferente de outros sistemas no mundo. Alguns elementos da abordagem Open Dialogue foram implantados no país inteiro; todavia, as reuniões organizadas em locais onde prevalece a psiquiatria hegemônica não se concentram tanto na geração de diálogo, mas são reuniões para a formulação de projetos terapêuticos e resolução dos problemas; contudo, ainda assim, são abertas à participação dos pacientes e das famílias. Mas você está correta em dizer que essa abordagem adaptada às necessidades foi implantada em apenas algumas localidades. Talvez em áreas em que havia equipes com maior interesse no trabalho psicoterapêutico e é claro que sabemos que, na Psiquiatria, há muitas ideias concorrentes na compreensão dos problemas de saúde mental. 

Você acha que isso teve algo a ver com o momento politicamente favorável? 

Certamente. Talvez um ponto seja que Tornio é bem distante de Helsinki e dos grandes centros ao sul da Finlândia, o que significa que ninguém tinha interesse no que acontecia tão longe, assim pudemos fazer o que achamos melhor. E é claro, a outra parte é que não havia muitas ideias concorrentes, pois, gradualmente, desenvolvemos uma ideia comum sobre como trabalhar, o que facilitou. Eu não acho que isso possa acontecer em outro lugar atualmente, pois nós realmente tínhamos o controle de tudo. Atualmente, não vejo como isso possa ser possível. É necessário encontrar outras maneiras de colocar essas ideias em prática. 

Uma das coisas que pensamos é se esta experiência está muito ligada ao contexto finlandês ou se poderia ser adaptada a diferentes culturas, realidades, sistemas de saúde. E, pelo que você está me contando, parece que um contexto muito específico possibilitou a emergência desta abordagem, de modo que talvez não seja o caso de tentar replicar essa experiência, mas encontrar diferentes maneiras de chegar a uma abertura semelhante. Como você acha que os princípios do Open Dialogue podem se traduzir para outras culturas e regiões? 

Conheço apenas dois locais em que a abordagem Open Dialogue tenha sido implementada em sua totalidade: em Tornio (Finlândia) e aqui em Tromsø (Noruega), onde existe o que se chama de Equipe de Agudos, que trabalha de um modo um pouco diferente, mas com os mesmos pressupostos de integração do sistema e garantia de continuidade no sistema todo. Aqui em Tromsø se trabalha em conexão muito próxima com a atenção primária de uma maneira muito bonita. Mas, por exemplo, no Reino Unido, há um projeto muito grande ligado a uma região sanitária específica, em que unidades específicas receberam treinamento para suas equipes e iniciaram um trabalho na abordagem Open Dialogue, garantindo serviços para um grupo específico de clientes; as equipes trabalham nesta perspectiva, todavia, elas não são o sistema todo, de sorte que, no restante do sistema, acontecem coisas muito diferentes, com equipes trabalhando de outros modos. Isto é mais ou menos o que eu espero: se você tentar adaptar o Open Dialogue, ao menos no início, terá equipes específicas recebendo formação, entendendo as principais ideias da abordagem Open Dialogue; deve-se garantir que essas equipes tenham controle sobre o início e o fim do tratamento sem serem pressionadas a encaminhar os pacientes para outros pontos de atenção, e assim por diante. Essas decisões administrativas precisam ser tomadas e as equipes devem ser responsáveis por um território adscrito dentro do sistema. Essa prática funcionou em muitos locais. 

Então é adaptável, não necessariamente se tornando o sistema de saúde mental de um país inteiro, mas pode funcionar em escala menor. 

Sim, em muitos locais que conheço se seleciona o grupo mais grave de pacientes para receber o tratamento na perspectiva Open Dialogue, enquanto os casos mais leves podem receber atendimento mais tradicional. 

Algo que você menciona bastante no seu trabalho é que a pesquisa é um aspecto muito importante e que garantiu a longevidade da abordagem Open Dialogue. Você pode me contar como planeja e executa pesquisa nesta área? Como se decidiu o que é importante pesquisar, especialmente considerando que, em Psiquiatria, o tipo de pesquisa reconhecida pela comunidade científica são os Ensaios Clínicos Randomizados e há dúvidas se eles respondem às questões que interessam ao trabalho que fazemos. Então, como surgiu a ideia sobre como planejar e executar pesquisa nesse campo? 

Nós percebemos, já no início, que realmente precisamos aprender como avaliar nossa própria prática. Não pensar que há alguém do lado de fora, ou uma cartilha a ser seguida que possa garantir tratamentos de alta qualidade. Mas realmente precisamos aprender a avaliar nossas práticas, e é isso que penso sobre a pesquisa como um todo: que sua organização deve aprender como avaliar práticas; esta é a tarefa que temos. É claro que isso engloba muitos tipos de pesquisa, mas a ideia central é a pesquisa naturalista (observacional), trata-se de seguir o que de fato acontece após uma intervenção no sistema em que você trabalha ou ao qual está ligado, coisa que é muito diferente da pesquisa acadêmica tradicional. Esta última tende a se colocar do lado de fora daquilo que pesquisa, na esperança de ter algum controle e evitar interferências. Mas a ideia deste tipo de pesquisa naturalista é que nós podemos produzir conhecimento de alta validade, especialmente validade externa, pois podemos acompanhar o que realmente acontece no sistema, mesmo que nós, como pesquisadores, sejamos parte dele. Muitas vezes os pesquisadores trabalham no sistema e há algum apoio de instituições (no momento estou envolvido nas pesquisas como professor da Universidade), mas toda pesquisa na qual me envolvo é sempre adaptada a cada unidade específica que será pesquisada e queremos ter as informações a partir dos critérios da prática, e não o contrário. Você menciona desenhos experimentais; neste caso, você primeiro planeja o que vai pesquisar, em seguida, treina como fazer, de maneira que tem um controle sobre as variáveis que se relacionam com os desfechos. Este não é o tipo de pesquisa que fazemos. Nós realmente queremos garantir que todos os elementos do tratamento estejam lá e seguimos o que acontece quando eles são postos em prática no melhor interesse dos clientes. Precisamos de comparações, podemos comparar com outras unidades que estão trabalhando com tratamentos mais tradicionais. Eu também conduzi um ensaio clínico randomizado no tratamento de clientes deprimidos, isso é possível, mas, mesmo nesta situação, a aleatorização é feita de modo que seguimos a clínica cotidiana, e não condições de laboratório. Esta é, para mim, a base de toda pesquisa: nas pesquisas que conduzi, o sistema não foi modificado por causa da investigação. Trata-se sempre de seguir o que acontece ali e de que tipo de conhecimento pode ser produzido. Este tipo de pesquisa é para nós, e não para o mundo externo. É aí que reside o equívoco em que muitas pessoas incorrem ao falar sobre a abordagem Open Dialogue: muitos se perguntam: “quais são os desfechos?”. Claro, é importante saber os desfechos, mas este não é o principal foco. 

O principal foco é a produção de conhecimento para nós mesmos, para sabermos o que está funcionando, o que não está funcionando, para sabermos nossos erros, nossos fracassos, para aprendermos sobre os desfechos ruins, etc. Penso que esta é a parte mais importante de toda pesquisa. Todo sistema Open Dialogue é baseado em pesquisas; como falei anteriormente, os princípios da abordagem Open Dialogue foram fruto de trabalho de pesquisa, se não fizéssemos pesquisa não haveria Open Dialogue. Os desfechos na psicose, depressão e alguns grupos não definidos a partir de diagnósticos nos deram informações muito valiosas para entender o tratamento no sistema; sem esses estudos não teríamos desenvolvido a abordagem. A ideia da abordagem dialógica surgiu de estudos qualitativos que fazemos e que nos ajudam a entender a natureza da nossa prática. Sem a pesquisa eu não entenderia nada sobre o tratamento que oferecemos e nem poderia contar a ninguém sobre o que fazemos. Uma parte importante da pesquisa é a ideia de métodos mistos: realizamos muitas análises estatísticas seguindo de modo relativamente simples, por exemplo, o desenvolvimento de sintomas que podem ser categorizados de acordo com os propósitos da pesquisa e podemos avaliar se os sintomas estão realmente diminuindo, se realmente estamos atingindo os desfechos esperados. Como não temos controle sobre os fatores intermediários não podemos produzir modelos explicativos, por exemplo, que o desfecho se deu por causa do diálogo ou coisas assim; mas, quando combinamos diferentes métodos, podemos comparar os desfechos bons com os ruins, analisando os diálogos nas reuniões e percebendo que, nos bons desfechos, certas coisas aconteceram, e, nos desfechos ruins, algo não aconteceu; e pode-se concluir algumas coisas a partir disto. Enfim, combinar métodos e desenhos de estudos é importante. 

Você diria que, nos termos em que nos explicou, a pesquisa faz parte do planejamento de serviços e do modo como o trabalho será organizado? 

Sim, quando a pesquisa é naturalista, há um grande envolvimento dos membros da equipe; uma parte deste desenho é que as entrevistas de seguimento sejam realizadas em conjunto com o membro da equipe que vem acompanhando o cliente e sua família. Isso pode ser feito com o pesquisador entrevistando a família e a equipe escutando, de modo que os trabalhadores têm feedback imediato de seu trabalho. Em pesquisas empíricas tradicionais, você precisa esperar cinco anos para publicar e, depois deste tempo, você pode ler o estudo, mas infelizmente já não há ninguém que participou da pesquisa trabalhando na unidade estudada. No tipo de pesquisa que realizamos, o feedback de sua prática é imediato, e é claro que afeta as conclusões clínicas e também produz boas pistas para reorganizar o sistema. E isto é o que tem acontecido o tempo todo na Lapônia Ocidental, mesmo depois que me mudei, em 1998 (agora sou pesquisador), sei que as equipes sempre levam em conta os resultados das pesquisas. 

Na abordagem Open Dialogue não se trabalha com diagnósticos? 

Diagnósticos precisam, por lei, constar nos prontuários. Se os clientes estiverem interessados numa discussão sobre diagnósticos, o diálogo é aberto e, portanto, isso será discutido. O diagnóstico está lá, qualquer linguagem e quaisquer vozes do sistema estão lá, pois estamos trabalhando dentro do sistema médico, e é claro que a linguagem médica é uma das vozes que faz parte do diálogo, mas a ideia é que este não é o ponto de origem do tratamento como o é no sistema tradicional. É possível discutir o diagnóstico, mas o trabalho não é baseado nisto; ele se assenta sobre os encontros com o cliente e sua família, sobre estar a par de suas necessidades singulares e fazer os projetos terapêuticos conjuntamente com base nisso. 

Pode-se dizer que não há necessidade de diagnósticos neste contexto? O diagnóstico psiquiátrico oferece os caminhos para se planejar um tratamento e seu prognóstico. Mas, no caso da abordagem Open Dialogue, se oferta o mesmo tratamento para todos a despeito dos sintomas apresentados, você diria que é por isso que um sistema diagnóstico é dispensável? 

Esta é a ideia do sistema baseado em evidências e que formula diretrizes para tratamentos de excelência com base em diagnósticos precisos, pois, assim, você pode ler as diretrizes e segui-las. Mas a abordagem Open Dialogue se assenta sobre uma racionalidade diferente: trata-se de perceber as necessidades de cada cliente para planejar o melhor tratamento para cada um; é, portanto, baseado na interação e no diálogo e nas compreensões geradas conjuntamente. Não me coloco inteiramente fora do diagnóstico, pois, nas reuniões, é importante estar a par e utilizar nosso conhecimento nas situações em que ele nos é útil. Por exemplo, posso perceber que, em determinado momento, alguém está bastante psicótico e pode ser importante notar que alguém está gravemente deprimido, pois essa pessoa pode morrer, suicidar-se. É importante perceber que alguém não está comendo, pois isso também traz riscos. Então há boas razões para ter diagnósticos como parte do processo, mas é um tipo de sistema diagnóstico bem diferente desse que você mencionou. 

Você quer dizer que é importante ser capaz de descrever alguns fenômenos que podem ser importantes na avaliação de riscos. 

Sim. Nós reportamos resultados nunca vistos antes em nenhum tipo de sistema, não temos medo de nomear os problemas com diagnósticos, por isso, pensamos que todas as vozes devem ser incluídas e todas as linguagens, inclusive a linguagem médica que faz parte disto tudo. Eu fui muito crítico também à terapia sistêmica familiar, que, em algum momento nos anos 1990, se tornou bastante obscura e confusa, afirmando que não podemos cair na linguagem diagnóstica, que não podemos fazer pesquisa porque isto objetifica os clientes. Eu não concordo com isso. 

Termos mais técnicos são utilizados junto aos pacientes e família? 

Se eles estiverem interessados sim, mas muito pouco. É uma discussão sobre a vida e coisas que estão acontecendo, o diagnóstico raramente aparece, mas, se há interesse, pode ser discutido, sem dúvida. 

Você mencionou que, quando começou a organizar reuniões antes de internar as pessoas, o número de hospitalizações caiu dramaticamente. Outro declínio observado é no uso de medicação psiquiátrica. Essa redução foi intencional? Ou foi o resultado do modo de trabalhar com a abordagem Open Dialogue? 

Foi uma ideia que sempre tivemos, mas, em 1992, quando participamos de um projeto nacional na Finlândia chamado Tratamento Integrado na Psicose Aguda, fomos um dos seis locais de uma pesquisa da qual uma das grandes tarefas era obter mais informações sobre o uso de medicamentos antipsicóticos no tratamento da psicose, isto é, de medicação neuroléptica. E, por essa razão, três locais de pesquisa foram designados para não introduzirem medicação neuroléptica no começo do tratamento, mas retardarem seu emprego e avaliarem se a intervenção psicossocial que descrevi como os princípios do Open Dialogue seria eficaz por si só, e introduzirem a medicação apenas após cinco ou seis semanas, caso a intervenção não se mostrasse suficiente. Neste projeto de pesquisa começamos a perceber que a medicação tem um papel muito menor no tratamento de crises psicóticas do que pensávamos. Inicialmente, em nosso sistema, apenas 25% das pessoas receberam medicação; realizamos seguimentos ao longo de cinco anos e percebemos que apenas um terço havia utilizado medicação neuroléptica, ao passo que a maior parte das pessoas melhorou sem usá-la. Este foi o início, atualmente sabemos mais, especialmente pelo trabalho de Birgita Aalakaare, que é muito habilidosa no tratamento não neuroléptico. Usamos a medicação de maneira seletiva tentando encontrar os clientes que podem se beneficiar das medicações, mas também para perceber para quais clientes o uso desses medicamentos pode ser arriscado. Mas o que você disse é muito importante, pois não se trata de parar com a medicação, mas de ter um sistema de cuidado ativo que permita a redução do uso dessas drogas; esta é uma importante conclusão dos nossos estudos. Você precisa de um sistema e, nesse contexto, o papel da medicação se torna secundário. 

Você pode nos contar um pouco sobre seus fracassos? Coisas que não deram certo e com as quais aprenderam? 

Eu sei bastante sobre nossos fracassos porque faço pesquisa sobre isso e já escrevi inúmeros artigos relatando como fracassamos. Algumas vezes falhamos em produzir o melhor tratamento possível para pacientes psicóticos quando, no início do tratamento, as equipes não estiveram abertas o bastante para as reflexões dos clientes sobre sua própria situação. Talvez quando há ainda a ideia predominante de controlar a situação, perde-se a sensibilidade para estar presente no momento, para escutar as vozes do cliente. Há também grandes fracassos nos suicídios que aconteceram ao longo destes anos: 95 suicídios na área de abrangência, houve uma epidemia de suicídios que foi uma situação muito catastrófica. A maior parte das pessoas que cometeram suicídio não estavam em tratamento psiquiátrico, mas houve alguns clientes nossos e também os incluímos em nossa pesquisa para avaliar o que aconteceu, suas histórias de vida, o que poderia ter sido diferente e o que aconteceu para que essas pessoas não encontrassem outro caminho exceto suicidar-se. Houve algumas pessoas que se tornaram crônicas e, mesmo que seja uma parte ínfima das pessoas atendidas, também houve este tipo de insucesso. Eventualmente, na Lapônia Ocidental, houve fases em que o sistema não esteve funcionando tão bem e situações em que a medicação aumentou, situações em que o isolamento dos pacientes aumentou nos hospitais. Isso tudo acontece e são riscos que pertencem ao cuidado psiquiátrico, se você não está atento o bastante a todos os elementos em jogo. 

Vocês valorizam muito o atendimento rápido e a organização de uma reunião o mais breve possível quando a crise aparece e os primeiros sintomas despontam. Em um modelo de transição, no qual tivéssemos ainda muitos pacientes crônicos, como no Brasil, muito medicados há muito tempo, com longos períodos de institucionalização, você diria que o Open Dialogue seria eficaz? Que poderíamos começar a trabalhar nessa perspectiva e esperar bons resultados também? 

Sim, definitivamente. Não há uma concepção de que o Open Dialogue é apenas para pessoas apresentando quadros agudos; muitas vezes, pessoas que têm problemas crônicos em suas vidas estão cronificados também em suas crises, de sorte que parece que a crise está lá para eles e para os membros da família por décadas. Foi uma experiência muito importante trabalhar com pessoas com problemas crônicos, pois eu fiz pesquisa com crises agudas, mas nunca trabalhei como membro da equipe de crises agudas, apenas como visitante. Trabalhei, sobretudo, com os clientes cronicamente adoecidos, fazendo parte de um processo em que nos conectamos com os membros das famílias em situações em que o paciente esteve isolado por até cinquenta anos, no caso mais grave que atendi. Incrivelmente, percebemos que eles têm conexões fortíssimas em suas mentes, e também, quando começamos a conversar, as pessoas começam a falar de coisas que aconteceram há 35 anos, quando algum familiar foi hospitalizado e se retoma a mesma discussão que ocorreu há 35 anos, é incrível. Há, portanto, emoções muito fortes que conectam os membros da família e que nunca foram discutidas. Você pode ter certeza que essas pessoas nunca tiveram acesso a essa possibilidade e quando abrimos a porta pode ser possível começar a gerar palavras para nomear os sentimentos que eles têm, e se isso acontece gradualmente pode ser um excelente processo. Muitas vezes já disse que as mães que atendi me ensinaram a maior parte do que hoje sei sobre ser um psicólogo clínico, suas histórias, como elas veem as coisas e como lutam. E, muitas vezes, coisas surpreendentes e quase milagrosas podem acontecer ao longo do processo. Isso é algo que venho trabalhando atualmente. Tenho meu trabalho na clínica de psicoterapia da Universidade, não mais no sistema hospitalar, e há clientes crônicos que atendemos. No momento estou terminando um trabalho com uma senhora que quis ser atendida por mim e por um estudante; seu marido tem frequentado as reuniões também. Ela está medicada há 17 anos e, neste mês, ela parou de usar suas medicações e pôde retomar seus estudos que foram interrompidos abruptamente 17 anos atrás. 

Referências

1. Seikkula J, Aaltonen J, Alakare B, Haarakangas K, Keränen J, Lehtinen K. Five-year experience of first-episode nonaffective psychosis in open-dialogue approach: treatment principles, follow-up outcomes, and two case studies. Psychother Res. 2006; 16(2):214-28.

2. Seikkula J, Alakare B, Aaltonen J. The comprehensive open-dialogue approach in Western Lapland: II. Long-term stability of acute psychosis outcomes in advanced community care. Psychosis. 2011; 3(3):192-204.

3. Seikkula J, Arnkil TE. Dialogical meetings in social networks. London: Karnac Books; 2006.

4. Seikkula J, Arnkil TE. Open dialogues and anticipations: -respecting otherness in the present moment. Helsinque: National Institute for Health and Welfare; 2014.

5. Florence AC. A abordagem Open Dialogue: história, princípios e evidências. Rev Polis Psique. 2018; 8(1):191-211.  

Fonte: https://www.scielosp.org/article/icse/2019.v23/e180239/

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