Entendendo a questão do aborto

 

 

Aborto: entenda essa questão

Por Rahellen Santos 

Falar de aborto nem sempre é uma tarefa fácil, pois o tema além de ser delicado envolve questões morais, científicas, éticas, religiosas e filosóficas. A prática, que já é antiga, também representa diversos riscos à saúde das mulheres. Diariamente, cerca de 830 mulheres são vítimas de complicações durante e após o período gestacional, sendo o aborto um dos principais catalisadores das mortes maternas em todo o mundo. 

Aliás, somente na América Latina e no Caribe acontecem 4 milhões de aborto por ano. Por isso, é essencial conhecer o tema e discuti-lo com urgência. Neste conteúdo, você vai entender as principais nuances que permeiam as mais fervorosas discussões sobre esta temática. Vem com a gente! 

O que é definido como aborto?

Segundo a Organização Mundial da Saúde, aborto, do Latim ‘ab-ortus’ (privação do nascimento), refere-se à interrupção da gestação com a extração ou expulsão do embrião, ou do feto de até 500 gramas antes do período perinatal (que data entre 22.ª semana completa e os 7 dias completos após o nascimento). Partindo de uma classificação médica, o aborto pode ser precoce, quando ocorre antes da 13.ª semana de gravidez, ou tardio, entre a 13.ª e a 22.ª semana. De acordo com o dicionário médico Luís Rey, o procedimento deve ocorrer antes que o feto seja viável, isto é, o nascituro não consegue sobreviver ainda fora do útero, após esse período denomina-se parto prematuro. 

Segundo relatório publicado na The Lancet Global Health, entre 2015 e 2019 mais da metade das gestações não planejadas (61%), terminaram em aborto. Passar pelo processo de abortamento não é fácil, a maioria das mulheres além de lidar com as preocupações de uma gravidez não intencional também enfrentam as consequências físicas e psíquicas do procedimento. 

Espécies de aborto

A interrupção da gravidez pode acontecer de modo voluntário, ou seja, pela vontade da gestante ou involuntário, natural ou acidentalmente. Desse modo, de acordo com os conceitos da obstetrícia, podemos classificar o aborto em três espécies. 

O aborto espontâneo ocorre quando há a interrupção natural da gravidez pelo próprio organismo da gestante. Vários fatores como a idade, anomalias cromossômicas, problemas endócrinos, doenças autoimunes, obesidade ou magreza excessiva e outros problemas relacionados ao organismo feminino, como, por exemplo a trombose, podem contribuir para a ocorrência desta condição. Estima-se que 15% das mulheres grávidas com idade até 35 anos podem ser vítimas dessa espécie de aborto, conforme o artigo Postgraduate medical Journal de 2015. 

O aborto acidental também acontece de forma involuntária e resulta de uma experiência traumática vivenciada pela gestante, exigindo assim a presença de um fator externo. Como exemplo, pode-se citar quedas de escada, atropelamentos, espancamentos, acidentes de trânsito, sustos ou até mesmo escorregões. 

Por fim, temos o aborto induzido que é quando se realiza um procedimento para interromper a gravidez. Desse modo, ele pode decorrer da própria escolha da grávida, de abusos contra a autodeterminação dos seus direitos sexuais (abortos forçados ou decorrentes de estupro), quando a gestação represente riscos à sua saúde ou quando o feto não tem chances de sobreviver fora do útero, por presença de má formação congênita. 

Segundo a recomendação da OMS, o processo pode ser executado de forma cirúrgica – aspiração a vácuo, sucção ou dilatação e evacuação- entre as 6 e 16 semanas de gestação ou por meio do consumo de pílulas abortivas (medicamentos que bloqueiam os hormônios da gravidez e o próprio organismo da mulher faz o esvaziamento do útero) esse procedimento pode ser realizado até as 12 semanas de gravidez. 

O aborto induzido pode ser realizado de modo seguro por pessoas treinadas seguindo o método adequado ao tempo da gravidez recomendado pela OMS. No entanto, o potencial de risco é bem maior quando as pessoas que apoiam ou realizam o procedimento não possuem a habilidade necessária ou ele acontece em ambientes que não estejam de acordo com os padrões médicos mínimos, ou ambos não são atendidos. Nestes casos, temos o que chamamos de abortos inseguros ou clandestinos, este procedimento pode envolver a introdução de objetos ou substâncias no útero (agulhas de tricô, cabides de ferro e até misturas caseiras), ingestão de medicamentos ou líquidos nocivos e uso de força externa, o que pode causar rompimento do útero, hemorragias e até a morte da mulher. 

O aborto no mundo

Por mais que se fale tanto em aborto, às vezes pode até parecer que ele é um fenômeno atual que decorre da vida moderna, entretanto esse procedimento já acompanha a humanidade há um bom tempo, estando presente nas mais variadas culturas. Portanto, precisamos entender como esta prática foi tratada no decorrer da história. 

De fato, o controle populacional sempre foi motivo de preocupação para a sociedade. Enquanto a sociedade greco-romana encarava a prática como um meio para controlar e manter o crescimento da população estável, outras civilizações a consideravam uma transgressão de princípios. O Código de Hamurabi no século V a.C e o Código Hitita do século XII a.C previam punições severas a quem praticasse ou incentivasse o aborto. No outro lado do mundo, aqui na América do Sul, as comunidades indígenas encaravam o tema de diferentes formas, para algumas tribos, por exemplo, abortava-se por considerar o feto endemoniado, pela escassez de alimentos ou em função da maternidade, isto é, todas as gestantes abortam do seu primeiro filho para facilitar o parto do segundo. 

Em 1869, quando a Igreja Católica apresentou seu posicionamento sobre a teoria da animação, a qual se refere ao momento em que se dá início a vida, concluiu-se que a alma faz parte do embrião e declarou-se o aborto e outro métodos contraceptivos como pecado. Neste ínterim, as condições sociais entre os séculos XIX e XX contribuíram para que as legislações criadas nesta época trouxessem dispositivos  sobre a permissão ou punição do aborto. Com as grandes conquistas e descobertas científicas da época, os Estados passaram a criar políticas de incentivo à demografia que afetaram o papel da mulher e sua importância na reprodução dos futuros cidadãos. Desse modo, boa parte das deliberações nacionais incorporaram a tutela do nascituro e a punição do aborto. 

Todavia, com a descoberta das pílulas anticoncepcionais e o advento das teorias feministas, houve a dissociação entre as imagens de maternidade e sexualidade. Dali em diante, adveio a segmentação entre os ideais da Igreja e do Estado no que se refere ao aborto. No ano de 1920, a União Soviética criou políticas sociais para garantir a saúde da mulher trabalhadora e legalizou a prática. Após pouco mais de uma década, o México reconheceu o direito ao aborto em caso de estupro. Em seguida, outros países,  como Polônia, Islândia, Suécia, Reino Unido, Canadá e mais recentemente a Irlanda, cada qual do seu modo, legalizaram o procedimento. 

Como o aborto é tratado hoje pelos países?

Atualmente apenas dois terços dos 195 países analisados pela ONU permitem o aborto quando a saúde física ou psíquica da mulher está ameaçada. Outros países que seguem uma linha mais conservadora como El Salvador, Malta, Nicarágua, República Dominicana, Suriname e Vaticano proíbem totalmente a prática. 

Com o intuito de informar sobre o status legal do aborto em todo o mundo o Centro pelos Direitos Reprodutivos (Center for Reproductive Rights, em inglês), organização não governamental formada por especialistas que lutam pela promoção dos Direitos Reprodutivos das Mulheres, produz desde 1998 um levantamento sobre como os países se posicionam quanto ao tema. No mapa abaixo, produzido pelo instituto e traduzido por nós, é possível ter um panorama do cenário mundial. Neste link, você pode acessa-lo no site de origem. 

Aproximadamente 90 milhões de mulheres em idade reprodutiva vivem nos 26 países em que o aborto é totalmente proibido, mesmo que a saúde ou suas vidas estejam ameaçadas. A maior parte destes Estados se concentram na África, Oriente Médio e Sudeste Asiático. Como exemplo, podemos citar Cisjordânia, Egito, El Salvador, Haiti, Honduras, Filipinas, Iraque, Nicarágua, Senegal e Suriname. 

Outros 39 países (a maioria localizados no Oriente Médio, América Latina e Caribe) permitem a interrupção da gravidez em certas circunstâncias para salvar a vida de gestantes, cerca de 359 milhões de mulheres em idade fértil vivem nesses lugares. Este grupo inclui Afeganistão, Brasil, Chile, Guatemala, Irã, Mianmar Síria e Sudão, entre outros países. Outra característica comum deles é que são todos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. 

Tendo como justificativa o resguardo da integridade feminina, isto é, proteger a saúde da gestante contra as consequências físicas ou psicológicas de levar a gestação adiante, 56 países permitem legalmente a interrupção da gravidez. Este é o caso da Arábia Saudita, em que embora a prática seja proibida, a mulher desde que receba a aprovação de médicos especialistas e do marido, pode impedir a continuidade da gestação. 

Ademais, as legislações de outros 14 países permitem o aborto em uma ampla gama de situações. Para isso, a lei leva em consideração fatores sociais e econômicos que podem impactar as condições atuais e futuras das gestantes. Por último, o direito ao aborto é legal sob a solicitação da mulher grávida em 56 Estados, situados principalmente em regiões desenvolvidas. Em sua maioria, como Rússia e Noruega, permitem o procedimento até as 12 semanas de gravidez. 

Conforme dados da OMS, entre 2010 e 2015 foram realizados 55 milhões de abortos em todo o mundo, destes 45% foram inseguros e em sua maioria, cerca de 97%, ocorreram nas regiões da América Latina, Ásia e África, onde há legislações punitivas quanto ao procedimento. 

Segundo relatório organizado pela Lancet Global Health , uma das revistas de publicações científicas mais renomadas do mundo, nos países em que as leis são mais restritivas e é mais difícil obter medidas anticoncepcionais adequadas e seguras, a proporção de gestações indesejadas que resultam em aborto é alta, com variação de 32/48 por mil mulheres, à medida que em locais de maior renda e interrupção legal da gravidez, a taxa é de 11 a cada 1000. 

Panorama nacional: realizar um aborto é crime no Brasil?

Como citado anteriormente, o Brasil faz parte do grupo de países que possuem legislações restritivas quanto a interrupção da gravidez. Dessa forma, no nosso país realizar um aborto induzido é considerado um crime contra a vida, tal regimento é disciplinado entre os artigos 124 e 128 do Código Penal desde o ano de 1984. 

Assim a gestante que provocar ou consentir com a realização do procedimento pode ser punida com pena de detenção de um a três anos. A pena pode variar de três a dez anos para quem realizar o aborto sem o consentimento da mulher, e de um a quatro quando o processo é feito com a sua anuência. 

Contudo, conforme prevê o artigo 128 do texto legal, é permitida a interrupção da gravidez em dois casos específicos: quando a gravidez é resultante de estupro ou para salvar a vida da mulher. Há ainda uma terceira situação a qual, embora não esteja expressa no regulamento pois deriva de um entendimento do Supremo Tribunal Federal, é autorizada o aborto. Nesse sentido, de acordo com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 54, é possível a interrupção terapêutica da gestação quando o feto for anencefálico. Portanto, a gestante que se adeque em uma dessas três situações, é apoiada pelo governo e pode realizar o aborto legal gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde). 

No entanto, devido a prática ser considerada crime com pena de reclusão, muitas mulheres que não se enquadram nas categorias de interrupção da gravidez protegida por lei recorrem a clínicas clandestinas ou efetuam o processo em suas próprias casas, sem nenhuma assistência ou instrução de segurança. Neste último caso, muitas delas recorrem a indicações de medicamentos e soluções caseiras que podem ser facilmente encontrados em uma rápida pesquisa no Google. Como resultado, segundo dados do Ministério da Saúde, aproximadamente 4 mulheres morrem por dia no Brasil em consequência de um aborto que deu errado. Contudo, o órgão informa que não é possível atribuir todos os óbitos ao abortamento provocado feito em boa parte dos casos clandestinamente. 

Além disso, mesmo aquelas que recebem a tutela legal para realizar o procedimento, enfrentam desafios para ter acesso ao aborto seguro. Como demonstra a Pesquisa sobre os Serviços de Aborto Legal no Brasil de 2016, a distribuição dos pontos de atendimento às gestantes em tal situação é irregular em todo o país, cerca de 7 estados não apresentavam sequer um serviço ativo. 

Somado a isso, em 95% dos hospitais não havia equipe específica para o suporte, e muitos profissionais se recusavam a realizar o aborto por razões morais e religiosas, utilizando-se do direito à escusa de consciência. Confira no vídeo abaixo um pouco mais sobre esse direito. 

Um retrato da realidade: quem são as mulheres que abortam?

O aborto não é uma realidade distante na vida reprodutiva das brasileiras. Desde a época colonial, registram-se práticas abortivas utilizadas demasiadamente por mães solteiras e de filhos ilegítimos. Tal fato levou as primeiras legislações sobre o assunto a punirem com severidade o procedimento. Nos dias de hoje, conforme relata a OMS, 3 em cada 10 grávidas abortam no nosso país. Conhecer o perfil de cada uma delas é essencial para entendermos a gravidade dessa prática no Brasil. 

Conforme mostra a Pesquisa Nacional sobre Aborto no Brasil de 2016, aproximadamente 20% das mulheres de até 40 anos já abortou. Os resultados do levantamento mostram que o procedimento atinge todas as idades, tendo principal relevância na faixa etária dos 20 a 29 anos. De outro lado, como concluiu um estudo financiado pela Fiocruz, as adolescentes são as maiores vítimas do abortamento, pois são as que mais morrem devido ao procedimento. 

No indicativo de raça, os estudos revelam que mulheres negras, pardas e indígenas- 13% a 25%- são as que mais efetuam o aborto em relação a brancas, mais ou menos 9%. Quanto ao estado civil, as que hoje se encontram separadas ou viúvas realizam a interrupção da gravidez em maior proporção que em união estável. Por fim, a interrupção da gravidez ocorre em maior quantidade entre aquelas que já são mães do que entre as que nunca tiveram um filho. 

Além disso, a taxa é superior entre as que habitam nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (15% a 18%) e possuem menor escolaridade, o percentual daquelas que estudaram até a quarta série (26%) é de pouco mais que o dobro de quem concluiu o ensino médio e/ou o superior (11%). Quanto a religião, 56% professam a fé católica e 25% são evangélicas. 

Que tal conferir um pouco da história da saúde pública no Brasil? 

Como a descriminalização do aborto é vista pelos diferentes grupos sociais

Um dos pontos que mais aquecem os debates que envolvem o aborto certamente é a sua descriminalização, uma vez que frente a dimensão do tema a opinião pública pode variar bastante.

De um lado, figuram principalmente os grupos mais conservadores da sociedade. Muitas religiões condenam a prática por considera-la uma espécie de assassinato, o que vai contra os princípios da maior parte delas.  Segundo o Pew Research Center, o Espiritismo, o Hinduísmo e alguns grupos do Cristianismo, opõe-se ao direito ao aborto, com poucas ou quase nenhuma exceção. Por outro lado, como principal voz no debate a favor da descriminalização, destaca-se os movimentos feministas que militam a favor do direito ao abortamento como uma garantia dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. 

E quem defende o aborto é necessariamente de esquerda ou direita?

No nosso país, o posicionamento é bastante diversificado. Enquanto 34% dos brasileiros consideram que a legislação sobre o aborto deve permanecer inalterada, para outros 41% o abortamento deveria ser totalmente proibido e para 16% da população ele deveria ser permitido em mais situações. Abaixo, você pode entender melhor as principais razões que fundamentam as opiniões de quem é contra ou a favor da  descriminalização da prática. Vale mencionar que também há um debate sobre a legalização do aborto, que é uma defesa de que o país deve garantir a segurança das mulheres e o aborto gratuito. 

Partes contrárias à descriminalização

O direito à vida é a base para a existência de todos as outras garantias e ele começa desde a concepção. Nesse sentido, deve haver a prevalência e a tutela do direito do feto o qual é inocente e indefeso. Dessa forma, o aborto se caracteriza como um ato contra a vida e viola a Constituição.

Tornar o aborto legal não resolve o sofrimento das mulheres, existe outras formas de resolver esse problema sem, necessariamente, interromper uma vida. Deve haver o incentivo para que essas gestantes tenham filhos e, assim, formular políticas públicas de auxílio para elas.

O aborto é uma questão de ordem filosófica e moral. Quem tem o poder de determinar o que é – ou não- um ser humano? E como isso pode ser feito?

O aborto tem consequências físicas e principalmente soco emocionais. Muitas mulheres que já passaram pelo processo relatam sentimento de culpa, arrependimento, dor e solidão. Conforme pesquisa realizada no Reino Unido, mulheres que abortaram tem seis vezes mais chances de cometerem suicídio. O estudo mostrou ainda que enquanto o risco de ansiedade pode chegar até 25%, o de depressão e de desordens na saúde mental alcança até 30% após o procedimento.

O aborto geralmente decorre de uma gravidez indesejada. Como afirma a OMS, entre 2015 e 2019 mais da metade das gestações não intencionais terminaram em aborto. Dessa forma, é preciso haver políticas públicas para o planejamento familiar e educação sexual entre os jovens e adultos. Além disso, existem algumas maneiras de ajudar mulheres a evitar gravidezes indesejadas sem usar anticoncepcionais, muitos das quais são recomendadas por grupos religiosos. Por exemplo, podemos citar o Método de Ovulação Billings (MOB) recomendado pela Igreja Católica.

Partes favoráveis à descriminalização

O aborto, deve ser tratado como um problema de saúde pública. Muitas mulheres para realizar a interrupção da gravidez recorrem a clínicas clandestinas ou a medicamentos abortivos sem orientação médica ou sem eficácia comprovada. Esses procedimentos realizados de modo não seguro podem comprometer a saúde da mulher, causando infecção, hemorragia, lesão interna, traumas psicológicos e na pior das alternativas deixa-la estéril ou leva-la a morte. Conforme dados da OMS, dos 55 milhões de abortos que ocorreram entre os anos de 2010 e 2015, 45% deles foram inseguros. Além disso, proibir a prática não significa que ela deixará de acontecer. Segundo o Instituto Guttmacher que pesquisa o acesso à saúde reprodutiva da mulher em todo mundo, 88% dos abortos ocorrem em países em desenvolvimento. Nestes locais, concentram-se a grande maioria de legislações que negam o aborto em qualquer circunstância ou só o permitem em caso de ameaça a vida da mãe. Aliás, como mostra o estudo, a taxa de aborto nos Estados que permitem a interrupção da gravidez é 34 a cada 1000 mulheres. Por outro lado, onde o procedimento é proibido o índice sobe para 37 a cada 1000.

 Obrigar a permanência de uma gestação por meio da lei é violar os direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Por mais que biologicamente ela nasça preparada para gerar e parir uma criança, nem todas estão necessariamente aptas ou desejam lidar com as responsabilidades de cuidar, proteger e arcar com os custos de um filho. Tratar a maternidade como destino é estigmatizar a possibilidade de escolha feminina e torna-la criminosa diante da lei, pecadora perante a religião e sem sentimentos frente à sociedade.

A legislação brasileira que pune o aborto é antiga. Um dos principais objetivos de uma lei é corresponder aos costumes da sociedade em que ela vigora. Hoje, diante dos avanços e reconhecimentos dos direitos das mulheres, criminalizar a interrupção da gravidez é defasar uma prática que ocorre com frequência, mesmo com as punições da norma legal.

O problema do aborto é interseccional, mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade – como negras e de baixa renda- também são as que mais realizam o procedimento. Na maior parte das situações, por não terem condições financeiras ou até mesmo psicológicas para criarem seus filhos. Ademais, o acesso a políticas de prevenção à gravidez ainda é muito restrito, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil. Assim, a interrupção da gravidez se apresenta a essas gestantes como um modo de contracepção. De acordo com a Pesquisa Nacional sobre o aborto, muitas delas estão em um relacionamento estabelecido, dependem economicamente da família ou do companheiro e não planejam a gestação.

O aborto é consequência de um problema maior, a violência sexual. Estima-se que 94% das mulheres que procuram ajuda foram vítimas de estupro, 29% destas tinham entre 12 e 19 anos. Devido a dificuldade de acesso a interrupção legal, 4.262 adolescentes mantiveram a gravidez decorrente de abuso por não serem atendidas. Os dados são do Ministério da Saúde.  

Fonte: https://www.politize.com.br/aborto-entenda-essa-questao/

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