A emoção: essencial na aprendizagem

Ensinar bem é emocionar

Entrevista com Francisco Mora.

O que se recorda melhor é sempre aquilo cujo conteúdo tem um ingrediente emocional, que tem um significado importante para o aluno. Que mudanças são necessárias na formação dos professores para que os novos conhecimentos trazidos pela neurociência sejam levados em consideração?

O espanhol Francisco Mora, um dos maiores estudiosos do cérebro na atualidade, é taxativo quando o assunto é aprendizagem. “Não se pode aprender nada além daquilo que desperta nossa emoção”, afirma o pesquisador, que tem em seu currículo os doutorados em Medicina pela Universidade de Granada e em Neurociências pela Universidade de Oxford. Professor das Faculdades de Medicina da Universidade Complutense de Madri, na Espanha, e da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, Mora é autor de mais de 400 trabalhos e comunicações científicas e editou ou escreveu 50 livros. Nesta entrevista, realizada por e-mail, ele revela como as atuais descobertas sobre o funcionamento do cérebro podem ser aplicadas à educação.

Que contribuições a neurociência tem trazido para a educação?

A neurociência só começa agora a estudar essa questão. De fato, apenas nos últimos anos foi criado um Centro de Neurociência para a Educação na Universidade de Cambridge, e faz somente dois ou três anos que a International Mind-Brain Education Society lançou a revista Mind, Brain and Education para a publicação de trabalhos nesse campo. E a primeira coisa que tentou foi eliminar os “neuromitos”, que perseguem uma finalidade meramente comercial e que foram criados à luz de falsas concepções de como o cérebro funciona.

O que são neuromitos?

Aquelas concepções errôneas sobre o funcionamento do cérebro que causaram forte impressão na sociedade, amparadas pelos meios de comunicação que as sustentam. O neuromito mais conhecido é aquele que indica — e as pessoas acreditam — que o ser humano utiliza apenas 10% de seu cérebro. Isso é simplesmente falso.

O que nos diz a neurociência sobre a maneira como o ser humano aprende?

A neurociência parte de um princípio básico: não se pode aprender nada além daquilo que desperta nossa emoção. Ensinar bem significa, em essência, emocionar primeiro (despertar a curiosidade, um dos ingredientes básicos da emoção) e, a partir disso, abrir as portas da atenção e pôr em marcha os processos de aprendizagem e de memória. A neurociência ensina que o que se recorda melhor é sempre aquilo cujo conteúdo tem um ingrediente emocional, aquele conteúdo que tem um significado importante para o aluno. Hoje, já conhecemos parte dos mecanismos neuronais que ocorrem no cérebro para todos esses processos (emoção, curiosidade, atenção, significados e memória) e podemos tirar proveito deles para ensinar melhor.

Como o professor pode se beneficiar desse conhecimento?

Como já disse, a neurociência ensina que só se pode aprender aquilo que emociona. Sendo assim, o professor tem de aprender a “despertar” essa emoção em sua prática desde muito cedo, tornando interessante o que ensina e abrindo os olhos dos alunos. Só assim conseguirá captar sua atenção e fazer com que ele aprenda. Hoje existem técnicas capazes de conseguir ativar os mecanismos da emoção no cérebro: slides especiais, modulação da voz, escolha dos conteúdos temáticos emocionalmente adequados e forma de veiculá-los. E, evidentemente, precisa detectar no aluno possíveis problemas que interfiram na atenção e no ensino, como os graus de afecção do aluno pelo transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, a dislexia e seus graus, o autismo e seus graus, etc.

Fala-se hoje de educação e ensino dos professores para que saibam como funciona verdadeiramente o cérebro. E isso é muito difícil, seja pela tendência do cientista em utilizar uma linguagem pouco acessível e pouco fácil ao professor, seja pela posição do professor para assimilar corretamente e depois aplicar esses conhecimentos na escola. Sugerem-se “intermediários” que possam ajudar os cientistas e os professores na transmissão desses conhecimentos entre uns e outros. Este é um capítulo em aberto e em debate permanente.

Como o professor pode atender a diferentes ritmos de trabalho, diferentes níveis de habilidades e diferentes patamares de desenvolvimento em sala de aula?

Esta é uma pergunta muito difícil. É preciso considerar que, em uma sala de aula, sempre teremos um conjunto heterogêneo de alunos com capacidades e “incapacidades” (problemas cerebrais como alguns que já mencionei) diferentes. A única maneira de atender a esses diferentes níveis é encontrando um nível básico de ensino conjunto para todos. E depois, em seminários seletivos, é preciso potencializar e ampliar esses conhecimentos em alguns alunos selecionados.

Fala-se hoje em educação customizada, ou seja, uma educação que parte do princípio de que todos aprendem de forma diferenciada. Portanto, todos temos “necessidades especiais”, e a educação deve atender essas diferenças. Como o senhor vê esse conceito?

É possível que a educação customizada tenha uma aplicação no futuro, mas hoje não, porque os conhecimentos que temos acerca de como funciona o cérebro ainda são escassos. Veja-se que até bem pouco tempo se pensava que era preciso educar as crianças baseando-se no diagnóstico relativo a se tinham nascido com funções predominantemente do lado direito ou esquerdo do cérebro, visto que teriam preferências ou talentos para a aprendizagem de um ou de outro tipo. Hoje sabemos que isso é falso. Outro exemplo: até pouco tempo, pensava-se que existiam “crianças visuais”, “crianças auditivas”, “crianças cinestésicas” e que, por isso, deveriam ser ensinadas com estilos diferentes para potencializar seus talentos específicos. E é curioso que se tenha dito aos professores que seria muito bom rotular as crianças como “V”, “A” ou “C” para focalizar ensinos específicos. Isso foi abandonado na prática.

 O que a escola pode fazer para desenvolver as capacidades de seus alunos?

Embora pareça inusitado, a escola em seu conjunto, além do que já comentei, pode promover a criação de salas de aula com muita luz e a prática de exercícios físicos aeróbicos pelos alunos. Surpreendentemente, a neuroarquitetura está mostrando que os alunos com salas de aulas providas de grandes janelas e com visão de grandes áreas verdes aprendem mais rapidamente e memorizam muito melhor. Além disso, o exercício físico tem-se mostrado como um dos instrumentos mais eficazes para aprender e memorizar melhor, pois favorece a produção de neurônios novos e fatores de crescimento nervoso nas áreas do cérebro que têm a ver com esses processos. Meu laboratório trabalha justamente na investigação experimental em ratos de todos esses processos no cérebro, de como um ambiente enriquecido por exercício físico, interação social, estímulos novos constantes que induzem a aprendizagem e a memória produzem mudanças físicas e químicas, anatômicas e fisiológicas no cérebro, ajudando a melhorar de forma considerável as suas funções, tanto cognitivas quanto de aprendizagem e memória.

Fonte: https://loja.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/6329/ensinar-bem-e-emocionar.aspx

 

 

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