Sobre a maconha e a esquizofrenia

31/10/2016 às 05h02

Maconha contra a esquizofrenia

Por Luís Carlos Valois

O número de pessoas com algum transtorno mental cresce na proporção das pessoas que fazem uso de tranquilizantes e antidepressivos. O que há aí de exploração por parte da indústria farmacêutica e de saúde verdadeiramente falando é difícil afirmar.

Dan ARIELY, professor de psicologia comportamental na Duke University, demonstrou como médicos e cientistas são extremamente influenciados pela propaganda e pelo financiamento de suas pesquisas por parte da mesma indústria farmacêutica, e cita pesquisa constatando que “aproximadamente 1.600 dos 8.900 professores e conferencistas da Harvard Medical School relataram ao reitor que eles ou membros de sua família tinha interesse financeiro em algum negócio relacionado com seu ensino, pesquisa ou clínica” (2012, p. 70).

Tal constatação, até aparentemente minimizadora da realidade, vem ao caso no momento em que se discute a descriminalização da maconha. Suas qualidades médicas, comprovadamente reconhecidas, são combatidas com a antiga alegação de que a mesma pode causar algum transtorno parecido com uma psicose ou esquizofrenia.

Pedro ABRAMOVAY, ex-secretário nacional de justiça, estudioso do assunto, publicou em seu perfil do Facebook uma informação sobre um desvio de informação desse tipo (2016). A revista Veja teria publicado uma matéria, com base em uma pesquisa científica, induzindo à ideia de que a maconha causa esquizofrenia.

ABRANOVAY, atualmente diretor para a América Latina da Open Society Fondations, apresentou também o link original do artigo científico utilizado pela Veja, e conclui ser o resultado da pesquisa justamente o oposto indicado pelo periódico brasileiro.

“Pessoas que têm tendência a desenvolver esquizofrenia, procuram a maconha para atenuar alguns sintomas que a esquizofrenia apresenta antes de se desenvolver totalmente”, é a conclusão da pesquisa, alerta ABRAMOVAY.

O artigo científico em questão ressalta o caráter especulativo dessa conclusão, mas diz ter fortes evidências nesse sentido, após o estudo de diversas variantes de genomas e probabilidades do uso da canabis (GAGE, S. H. et al., 2016).

Tudo certo, tudo bem, o que parece espantar é que esses estudos, essas afirmações científicas, sejam médicas, genéticas, de qualquer espécie, excluem o fato de que a maconha é objeto de uma guerra em curso, que quem fuma, porta ou vende, pode ser vítima, a qualquer momento, de uma revista policial, da invasão de sua casa, de um tiro, de uma extorsão.

Uma pesquisa sobre os efeitos da maconha não deveria excluir a palavra “polícia” de sua análise. Essa “variante” tem muito efeito em quem fuma e sem ela qualquer pesquisa sobre drogas, na minha opinião, não merece muita credibilidade.

Por certo, muitos cientistas alegam que suas pesquisas são realizadas em ambiente de permissibilidade, com acesso livre à droga a ser consumida. Mas nenhum laboratório, por mais hermeticamente fechado e isolado que seja, conseguirá afastar a realidade social que forma o consciente e o inconsciente do examinado; conseguirá apagar a ideia e a realidade social de perseguição policial a que está sujeito o consumidor de uma substância tida como ilegal nestes cem anos de guerra às drogas.

Imagine a sua cerveja com os amigos sujeita a qualquer momento a tiros, batidas policiais, revistas íntimas com requintes de violência. Imagine ter que guardar o seu vinho ou o seu whisky em casa debaixo da privada ou no forro do sofá. Nem o chope mais ingênuo da esquina escaparia de uma certa dose de paranoia, esquizofrenia, ou seja que nome se queira dar para a doença a se desenvolver no apreciador dessas bebidas, se perseguido.

Se “o delírio de perseguição é o mais comum na esquizofrenia. O paciente julga que o seguem ou vigiam, que querem prejudica-lo, mata-lo” (CHENIAUX, 2015, p. 39) , com efeito, fica difícil diferenciar entre a esquizofrenia e o medo de ser detido, revistado ou torturado por causa de algumas trouxinhas.

Outra questão: se há médicos ou cientistas favoráveis à criminalização das drogas porque possuem clínicas ligadas ao governo ou porque suas pesquisas foram financiadas por alguma indústria receosa da entrada da maconha no mercado é um problema, mas mais difícil mesmo é entender serem esses médicos favoráveis ao aprisionamento, como se estivessem receitando prisão.

Esta sim, a prisão, causa mais problemas psicológicos do que qualquer droga, e inclusive já teve uma dessas doenças chamada de “psicose carcerária” (LYRA, 1963, p. 28), psicose não tão estudada por dois motivos, por ser quase normal no meio carcerário e por não estimular qualquer financiamento ou ganho monetário na sua pesquisa.

Contudo, não só a prisão, a obrigação de combate, os riscos, o estresse a que são submetidos os policiais, tem levado esses soldados da guerra às drogas, para além de transtornos psicológicos, igualmente para o uso de drogas legais e ilegais.

Se uma das características da esquizofrenia é a “perda do sentido lógico na associação de ideias, resultando em um discurso desorganizado, incoerente e ininteligível” (CHENIAUX, Op. Cit., p. 40), é a guerra ás drogas uma das maiores esquizofrenias deste e do último século, pois uma guerra de discurso desconexo e irracional, onde se compram e usam armas que ferem e matam pessoas para que essas mesmas pessoas não consumam determinadas substâncias que supostamente as poderiam ferir.

Nesse caso, estando certo o resultado da pesquisa referida acima, de que a maconha pode aliviar os efeitos da esquizofrenia, não seria nada demais aconselhar aos loucos da proibição, gastadores de fortunas do contribuinte em uma guerra fadada ao insucesso, que abaixassem suas armas e fumassem um baseado.

Notas e Referências:

ABRAMOVAY, Pedro. “A revista Veja publicou hoje no on-line…”. Facebook. 26.12.16. Disponível em: <www.facebook.com/pedro.abramovay/posts/1208617995880687>. Acesso em: 26.12.16.

ARIELY, Dan. A mais pura verdade sobre a desonestidade. Rio de Janeiro: ELSEVIER, 2012.

CHENIAUX, Elie. Psicopatologia e diagnóstico da esquizofrenia. In: Esquizofrenia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2015, p. 37-44.

GAGE, S. H.; et al. Assessing causality in association between canabis use and schizophrenia risk: a two-sample Mendalian randomization study. In: Psychological Medicine. Cambridge University Press. 2016. Disponível em <www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/122D651C3670683DAEDDA33997417105/S0033291716003172a.pdf> Acesso em: 26.12.16.

LYRA, Roberto. As execuções penais no Brasil. São Paulo: Forense, 1963.

 

Luís Carlos Valois é Juiz da Vara de Execuções Penais do Amazonas, mestre e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, membro da Associação de Juízes para a Democracia – AJD, e membro da Law Enforcement Against Prohibition (Associação de Agentes da Lei contra a Proibição) – LEAP. 

Fonte: http://emporiododireito.com.br/maconha-contra-a-esquizofrenia/

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