Um novo mundo?

 

 

UM NOVO MUNDO É REALMENTE NECESSÁRIO?

Por André Islabão 

É interessante ver como as ideias circulam nas chamadas “redes sociais” e rapidamente se tornam hegemônicas. Repete-se à exaustão uma ideia até que milhares de pessoas a compartilhem sem que cheguem realmente a refletir sobre ela. Um exemplo disso é a ideia de que “o mundo não será mais o mesmo após a Covid-19, mas que isso seria muito bom, já que o nosso mundo estava todo errado”. Fico pensando até que ponto essas ideias começam com pessoas comuns que as compartilham ou são “plantadas” por quem possa delas se beneficiar. 

É certo que nosso mundo tem problemas, pois somos intrinsecamente imperfeitos. Alguns problemas são evidentes, como o crescente afastamento físico entre as pessoas, o nosso distanciamento em relação à natureza, as desigualdades sociais e o uso excessivo e inadequado das tecnologias digitais. É impossível deixar de reconhecer esses problemas, mas também não podemos negar algumas coisas tão simples e maravilhosas que só o mundo real nos proporciona, como sentir a brisa no rosto ao correr em um parque, dar um mergulho no mar, sentir o cheiro de pão quentinho, reunir-se com amigos e dar boas risadas, abraçar os familiares ou viajar para conhecer lugares novos. A questão importante é se o mundo que nos tentam impor agora – e que está implícito no primeiro parágrafo – pretende preservar o máximo possível da nossa ideia de mundo ou simplesmente nos transformar em avatares de nós mesmos, ao propor coisas como visitas virtuais a cidades e museus, lives musicais estéreis e videoconferências soporíferas com amigos e familiares. 

Para abordar os problemas apontados em nosso mundo atual teríamos que fazer um novo projeto de mundo liderado por seres humanos que façam jus a este título. Pessoalmente, acreditaria em um mundo melhor se ele fosse pensado por filósofos, sociólogos, sanitaristas, antropólogos, psicólogos sociais, poetas, pedagogos, biólogos, monges budistas e outras pessoas que trabalhem para “re-humanizar a sociedade”. Mas o que se propõe agora parece bem diferente disso. Nova York é um dos lugares mais afetados pela pandemia e pode servir de alerta para o mundo. Antes mesmo de enterrar seus mortos, já existe um grupo de trabalho para “redesenhar o futuro”. Para liderar o grupo, foi chamado o bilionário Eric Schmidt, ex-CEO do Google e que ultimamente andava promovendo o uso da tecnologia e da “inteligência artificial” para fins militares. É evidente que o futuro entendido como ideal por ele seria muito diferente daquele que as pessoas comuns imaginam como ideal. Ele já declarou que seu projeto se baseará em tecnologias para fomentar a telemedicina, a educação à distância e a ampliação dos serviços de internet. Este futuro soa bastante orwelliano e bem menos auspicioso que o nosso “mundo errado” atual. 

Para alguém que tenha crescido tomando banho de chuva e brincando de pega-pega na rua, este admirável mundo novo pode ser assustador. O futuro costuma ser visto com um misto de curiosidade e suspeita por quem envelhece. Mas quando isso ocorre lentamente, temos tempo para uma adaptação a fim de deixar o mínimo de pessoas para trás. O problema é quando as coisas são feitas a toque de caixa aproveitando a desorganização de uma sociedade que está trancada em casa e apavorada por causa de um inimigo invisível. Mas é preciso perceber que o verdadeiro inimigo não é invisível nem novo. A peste é a mesma de sempre. Só que agora ela utiliza a Big Tech e o biopoder como ferramentas de dominação. 

Quem defende um novo mundo após a pandemia talvez não tenha percebido que este futuro projetado pode ser ainda mais “errado” e desumanizado com maior distanciamento social, desumanização das relações, consultas médicas virtuais, educação à distância, afastamento ainda maior em relação à natureza, piora da desigualdade econômica e social, vigilância massiva dos cidadãos, restrições a viagens e uso ainda mais abusivo das tecnologias digitais. Parece que em vez de corrigir nossos problemas, estamos optando por “virtualizar a humanidade” com a rapidez de um clique e – para piorar – sem que haja uma tecla return para desfazer o erro. 

https://www.marketwatch.com/story/new-york-gov-cuomo-enlists-ex-google-ceo-eric-schmidt-to-head-commission-to-reimagine-the-state-after-covid-19-2020-05-06?link=MW_latest_news 

https://www.theverge.com/2020/5/4/21246304/google-eric-schmidt-military-technology-ai-drone-analysis-ceo

Fonte: https://andreislabao.com.br/2020/05/09/um-novo-mundo-e-realmente-necessario/?fbclid=IwAR1Hk36xmxPOgMLsgxkxvuwUJuOYHcITHFyhP7MWOAS3mj2tq1CuvsatJ0g

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