Concepções éticas

 

 

 

As Psicologias

A psicologia é uma ciência que se divide em várias especialidades e cada uma delas pode estar embasada por diferentes linhas teóricas, o que abre um enorme leque de possibilidades e de diferenças entre os profissionais, para além destas particularidades, com o desenrolar de sua prática, o profissional vai criando e adotando um estilo próprio, de forma que mesmo que compartilhem uma mesma especialidade e linha teórica, dois profissionais dificilmente terão pensamentos e atitudes similares. Por isso podemos dizer que existem tantas psicologias quanto os psicólogos que as praticam. 

A Psicologia Clínica

A palavra clínica provém do grego klinikós = cama, marcando o trabalho sobre um paciente específico, neste sentido a nossa concepção da psicologia clínica alinha-se com a visão de autores como Bohoslavsky, Bleger e Ulloa, que a caracterizam como uma estratégia de abordagem à conduta dos seres humanos. Falar em estratégia significa realçar um tipo de olhar e de ação sobre as condutas humanas que ultrapassa o objeto e a ação na qual se opera, podendo ser empregada para estudar qualquer tipo de conduta, em qualquer âmbito ou campo de trabalho, bem como na prevenção das dificuldades.

Na estratégia clinica a comunicação não tem como objetivo unicamente conhecer o paciente, mas também promover benefícios sob a forma de mudanças favoráveis ou prevenção das dificuldades. Aqui a reflexão e a ação se encontram associadas, de forma que; ver, pensar e agir configuram o que Ulloa denomina “unidade de operação” e seu manejo tem relação direta com o estilo pessoal do psicólogo e por isso guarda um caráter artesanal, porém é necessariamente uma atividade cientifica pois está baseada em um modelo teórico com premissas e hipóteses.

Assim, nos alinhamos com a idéia de que a Psicologia Clínica se caracteriza por ser uma forma particular de ver, pensar e agir sobre as condutas humanas, apoiados em técnicas e recursos específicos.

As Psicopatologias

Com a crescente medicalização da saúde, incluindo aí as psicologias, a tendência é também a de medicalizarmos "pathos", transformando o sofrimento, a afecção em uma doença a ser curada, quando para Freud a psicopatologia está marcada pela diversidade de formas que ela pode assumir, o que nos alerta que um sintoma não pode ser simplesmente reduzido à um mal a ser curado.

A palavra psicopatologia é formada por diferentes raízes gregas que se compõem da seguinte maneira: psyché significando alma, pathos - sofrimento, paixão ou moléstia e logos - discurso/doutrina.

A psicopatologia se constitui como uma disciplina que integra vários campos de estudos, dentre os quais podemos citar: o médico, fisiológico, psicológico, psicanalítico, estético, linguístico, literário, antropológico e jurídico, como cada uma delas vai explicar a patologia segundo sua própria orientação teórica, quando houver um tratamento os métodos para abordar as psicopatologias irão variar muito. Por isso podemos dizer que as psicopatologias são caracterizadas pela diversidade. E por se tratar das patologias e disfunções psíquicas em todos os seus aspectos, é necessário ter que se recorrer também a outras disciplinas das ciências humanas, marcando a sua característica interdisciplinar.

Entre as ciências que tratam da mente humana, a Psiquiatria e a Psicologia nasceram nos séculos XVIII e XIX e a Psicanálise chegou um pouco depois, entre os séculos XIX e XX, mas todas têm um berço comum, a Europa Central. A Psicologia teve origem nos laboratórios de Wundt em Leipzig, com sua pesquisa sobre as percepções e sentimentos e a Psiquiatria, termo cunhado pelo médico alemão Johan Christian Reil em 1808, nasceu do trabalho experimental e clínico e das observações sobre os pacientes, a Psicanálise de Sigmund Freud também foi construída com base em seus pacientes, ou seja, nos usos e costumes da burguesia intelectual da Viena do seu tempo.

Numa perspectiva crítica podemos dizer que a partir da experiência clínica, todas elas foram animadas pelo ideal de fazer uma ciência com pretensões universalistas, válida para toda a humanidade, mesmo para aquelas populações a quem eles nunca tinham visto.

O primeiro médico a colocar isto em questão e verificar a validade universal de sua nosografia foi Kraepelin, que viajou em 1903 para Java, onde observou as formas de doença mental que só existiam naquela cultura. A antropologia demonstrou interesse por estas questões nos povos não ocidentais desde os anos de 1898 mas apenas metade do século XX começaram a veicular informações sobre as pesquisas com outras culturas como; a africana, as orientais, a americana e outras.

Desde o ponto de vista antropológico, as psicopatologias podem ser agrupadas de diferentes formas por cada cultura segundo os instrumentos cognitivos e interpretativos elaborados em seu interior, e esta operação de interpretação variará com o passar do tempo, modificando-se, transformando-se de acordo com as mudanças ou as evoluções daqueles instrumentos, portanto, qualquer psicopatologia é cultural, variando conforme o espaço e o tempo.

Seguindo esta perspectiva, quando atendemos um paciente, para além das particularidades biológicas, deveríamos ter a capacidade de percebê-lo como parte de um organismo maior que compreende o grupo social onde está inserido, ou seja, segundo esta perspectiva a dimensão biológica se enlaça com a dimensão social, cultural, histórica e ambiental, assim o psiquismo deixa de ser percebido como uma propriedade do sujeito, passando a ser compreendido como parte de uma dimensão mais ampla que o engloba.

Nesta proposta de ampliação das perspectivas, descobrimos que as Psicologias ou as Psicanálises se revelam apenas como sistemas particulares entre muitos outros, sendo produto de uma história especifica, fruto de complexos processos sócio-econômicos, políticos e culturais, e que estudam e tratam aquilo que elas mesmas auxiliam a instituir por meio de suas ações interpretativas e terapêuticas, este reconhecimento exige que criemos e ocupemos um lugar bem estabelecido clinicamente, para que as narrativas da psicopatologia possam ser ai acolhidas e possam também acontecer os encontros interdisciplinares, em nome da manutenção, enriquecimento e avanço da clínica, fazendo com que nesta experiência* se possa pensar o impensado/impensável.

Numa perspectiva psicanalítica, Costa Pereira diz que que a experiência humana, enquanto marcada pela incompletude, pelo conflito e pela paixão é, em si mesma, psicopatológica e a descrição de tal condição é irredutível aos discursos naturalizantes fundados nas ciências biológicas, o que exige uma teorização propriamente metapsicológica para dar conta dessa dimensão passional e prática do existir psíquico. 

A prática

Em se tratando de saúde mental devemos fomentar o movimento de integração de todos os que circulam ou que atravessam este campo; antropólogos, sociólogos, filósofos, bem como os familiares e os grupos de pertencimento dos pacientes entre tantos outros, com isto compondo uma malha que fará com que a saúde mental deixe de ser um campo/saber exclusivo de atores como médicos psiquiatras, psicólogos, psicanalistas ou enfermeiros psiquiátricos.

O profissional da área da saúde mental deve possuir a capacidade de relativizar seu saber - saber este padronizado e atravessado por valores, as vezes absolutos, que são resultados de processos sócio-histórico-culturais - para escutar e dialogar, tanto com os pacientes, seus familiares e grupos de pertencimento, posicionando-se diante destes de forma a garantir-lhes a condição de seres humanos, quanto com os demais interlocutores que fazem parte da equipe de cuidados, humanizando assim as relações e consequentemente o seu fazer.   

PARA SABER MAIS:

Rodolfo Bohoslavski. Orientação Vocacional a Estratégia Clínica. Martins Fontes. São Paulo. 1977.

François Laplantine. A antropologia da doença, Martins Fontes, São Paulo, 1991.  

Mareike Wolf. La psychopatologie et ses methodes, Colection "Que sais je?", Paris, PUF, 1998.

Manoel Tosta Berlinck. Saber clínico e saber teórico, Rev. latinoam. psicopatol. fundam. vol.12 no.2 São Paulo June 2009.

Christiana Paiva de Oliveira e Manoel Tosta Berlinck. Os cinco sentidos na psicopatologia fundamental, Psic. Rev. vol. 24, n. 2 (2015).

Pierre Fédida e Patrick Lacoste - Psicopatologia/Metapsicologia. A função dos pontos de vista - Rev. latinoam. Psicopat. Fund. vol.1 no.2 São Paulo Apr./June 1998.

Mario Eduardo Costa Pereira - Pierre Fedida e o Campo da Psicopatologia Fundamental – Revista Percurso 31/32, 2/2003 e 1/2004, p. 45-54. 

Paul Veyne - Foucault revoluciona a história - Editora UNB. Brasilia. 1998.

LEITURA RECOMENDADA:

Rachel Naomi Remen. Histórias que curam: conversas sábias ao pé do fogão. Ágora. São Paulo. 1998

Rita Charon. O corpo que se conta: Por que a medicina e as histórias precisam uma da outra. Letra&Voz. São Paulo. 2015.

PARA SABER MAIS:

Código de Ética Profissional do Psicólogo 

Toda profissão define-se a partir de um corpo de práticas que busca atender demandas sociais, norteado por elevados padrões técnicos e pela existência de normas éticas que garantam a adequada relação de cada profissional com seus pares e com a sociedade como um todo.   

O Código de Ética Profissional, ao estabelecer padrões esperados quanto às práticas referendadas pela respectiva categoria profissional e pela sociedade, procura fomentar a auto-reflexão exigida de cada indivíduo acerca da sua práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal e coletivamente, por ações e suas conseqüências no exercício profissional. A missão primordial de um código de ética profissional não é de normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar, dentro de valores relevantes para a sociedade e para as práticas desenvolvidas, um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela categoria. 

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