Reformulando as epistemologias
Uma epistemologia para a próxima revolução*
Linda Martín Alcoff**
* Texto original "An epistemology for the next revolution", publicado em Transmodernity: Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, v. 1, n. 2, 2011, p. 67-78. Tradução: Cristina Patriota de Moura.
**Professora de filosofia do Hunter College e do Centro de Pós-Graduação da City University of New York.
Minha intenção, com este título otimista, é destacar a necessidade de uma linguagem de libertação revisada e reformulada. Para explicar esta ideia, começarei apresentando duas importantes e distintas reivindicações apresentadas por Sylvia Wynter (1982) e por Enrique Dussel (1982; 2012). Wynter tem sugerido que a principal lacuna do discurso revolucionário marxista consiste na falta de atenção a questões epistemológicas na teoria social, ou seja, a questão de quem conhece. Sem dúvida, Marx desenvolveu os primórdios de uma epistemologia da ideologia em sua explicação sobre como o fetiche pode apresentar-se como o real e em sua ideia do efeito na percepção da câmara escura da ideologia burguesa. Segundo Wynter, nem ele nem seus seguidores deram suficiente atenção às circunstâncias políticas no âmbito das quais o saber de todo tipo é produzido. Essas circunstâncias políticas incluem como a autoridade e a atribuição de autoridade são distribuídas, como certos lugares, processos e metodologias são valorizados enquanto outros são desprezados e como a produção de teoria espelha a produção de desigualdades sociais.
Assim, apesar de Marx ter nos oferecido uma análise nova e revolucionária de como a economia política geral é reproduzida, ele não nos proporcionou instrumentos para dar continuidade e para melhorar essa análise ou para criar condições revolucionárias e democráticas para a teoria social crítica. Ele não ofereceu uma crítica radical do processo de legitimação do conhecimento. Wynter sugere que o retorno do marxismo ao positivismo, ao autoritarismo patriarcal, bem como ao capitalismo burocrático, que testemunhamos ao longo do século XX, poderia ser diretamente conectado com este esquecimento. O centralismo extremo dos soviéticos, assim como a inabilidade geral dos movimentos e governos marxistas em reconhecer os seus próprios erros e limitações são geralmente atribuídos a problemas políticos, mas talvez a origem disso seja um problema epistemológico (as críticas de Foucault ao marxismo fazem eco a essa ideia). A lição que podemos tirar disso é que as questões epistemológicas devem ser tratadas explicitamente na próxima era do pensamento e da prática revolucionários.
Podemos relacionar o insight de Wynter com o argumento de Enrique Dussel de que necessitamos desenvolver um método analético. Enquanto a dialética marxista permanece dentro da esfera do inteligível, numa oposição e suprassunção dialógica da visão de mundo dominante, a analética procura tornar visível aquilo que está além da dialética. A dialética restringe-se a uma crítica interna ao contradizer o que existe, mas ela permanece dentro dos termos de referência dos conceitos fundantes existentes. Novas formulações são de fato possíveis mediante a dialética, mas elas somente serão alcançadas pelo processo conflitivo das contradições. A análise de Dussel sobre o tratamento que Marx dá ao trabalho vivo mostra que Marx desenvolveu uma explicação através da qual era possível pensar além dos termos do sistema corrente para imaginar o que era ininteligível pelo capitalismo. O trabalho vivo é aquela essência do trabalho que preexistiu à propriedade privada, à mercantilização e até mesmo ao valor de uso tal qual tradicionalmente entendido.
Sob o capitalismo, o trabalho vivo foi reduzido e transformado em mercadoria e é a forma de trabalho em nome da qual a dialética se engaja na luta de classes. Todavia, conceber o objetivo final como a libertação do trabalho mercantilizado é não alcançar a verdadeira meta do projeto de Marx. A dificuldade em ir além do trabalho mercantilizado é novamente de ordem epistemológica, uma vez que o conceito de trabalho vivo é ininteligível às luzes correntes. Assim, Dussel argumenta que, para conceber o trabalho vivo, precisamos de algo mais do que a dialética: precisamos justamente do que ele nomeia de analética, um neologismo que remete à tentativa de pensarmos além do que costumeiramente pensamos, para alcançar além da dialética em direção ao ininteligível e incomensurável ou o que está além da totalidade. Trabalho vivo - não mercantilizado - existe atualmente somente como ideia além da totalidade das maneiras pelas quais valor e trabalho são mensurados e conceituados. Dussel sustenta que alcançar tais ideias requer atribuir autoridade epistemológica aos pobres, ao perspectivismo dos pobres, àqueles cujas vidas e experiências são marginalizadas pela dialética das possibilidades inteligíveis.
Acredito que Wynter está correta ao argumentar que o problema epistemológico deva ser central para a próxima fase da luta revolucionária. Cientificismo, positivismo, autoridade masculina, elitismo e eurocentrismo devem ser desembaraçados do processo pelo qual um conhecimento libertador é desenvolvido. Também acredito que Dussel indica o caminho correto para começarmos este trabalho: ao situar no centro não somente as condições objetivas do empobrecimento e da opressão globais, mas a sistemática desautorização da perspectiva interpretativa dos oprimidos do Sul global. Essa desautorização inibe os encontros dialógicos e as coalizões epistêmicas críticas mediante as quais novas soluções podem ser desenvolvidas.
Para avançar no desenvolvimento desse projeto, este artigo tematizará dois obstáculos no atual momento intelectual que obstruem a rota para seguirmos os conselhos de Wynter e Dussel: 1. o obstáculo epistemológico; e 2. o obstáculo identitário. A seguir, tematizarei cada um.
Obstáculo epistemológico
A epistemologia tem sido a teoria protocolar para o domínio da discursividade no ocidente, situada numa posição de autoridade que lhe permite um julgamento bem além dos ciclos filosóficos. A epistemologia presume o direito de julgar, por exemplo, o conhecimento reivindicado por parteiras, as ontologias de povos originários, a prática médica de povos colonizados e até mesmo relatos de experiência em primeira pessoa de todos os tipos. É realístico acreditar que uma simples "epistemologia mestre" possa julgar todo tipo de conhecimento originado de diversas localizações culturais e sociais? As reivindicações de conhecimento universal sobre o saber precisam no mínimo de uma profunda reflexão sobre sua localização cultural e social.
No intuito de desenvolver uma estratégia de resistência que possa bloquear reflexões irrefletidas e questionáveis de domínio, com o propósito de evitar a repetição de um imperialismo epistemológico ocidental, teóricos sociais críticos têm relegado seu próprio trabalho epistemológico a uma esfera descritiva e crítica. Em outras palavras: teóricos sociais críticos atualmente descreverão quais reivindicações de conhecimento são feitas, onde e por quem, para em seguida criticarem reivindicações de conhecimento de todos os tipos. Não obstante, esses teóricos têm, de maneira geral, abandonado a tarefa de realizar a própria epistemologia normativa. Atualmente, podemos todos criticar o conhecimento existente com grande sofisticação; podemos analisar os objetivos estratégicos por trás dos saberes existentes e suas exclusões não declaradas; e podemos, juntamente com Foucault, descrever com grande precisão a conexão entre as matrizes de poder, conhecimento e desejos, suas interconexões bem como suas interdependências. Mas se perguntarmos aos teóricos sociais críticos hoje sobre como alcançar a verdade e como comparativamente avaliar as teorias de justificação, muitos vão nos olhar de maneira incrédula. A linguagem da verdade, do realismo e da justificação tem sido desconsiderada mais do que redefinida. A epistemologia propriamente dita, que possui componentes normativos e não meramente descritivos e críticos, tem sido delegada a filósofos analíticos.
Este é um erro sério. Admito que compartilho com Bruno Latour algumas preocupações sobre os excessos de nossas epistemologias críticas e a escassez de nossas epistemologias reconstrutivas. Em artigo recente e amplamente discutido, Latour argumenta em favor da recuperação do projeto crítico da teoria social, ao citar o editorial do New York Times no qual o estrategista republicano Frank Luntz escreve:
Se o público passar a acreditar que questões científicas estão resolvidas, suas visões sobre o aquecimento global mudarão. Portanto, precisamos continuar a fazer da falta de certeza científica uma questão prioritária.
Os republicanos, como fica claro, têm feito da crítica ao positivismo uma estratégia para desviar as demandas para que os Estados Unidos assinem tratados ambientalistas sérios. Com o propósito de avançar seus interesses políticos, eles têm assumido uma posição nos debates metateóricos sobre epistemologia científica, adotando uma posição hipercrítica dos novos teóricos sociais, o que equivale a um ceticismo de conveniência.
O que devemos apreender com isso? É claro que é verdade que nenhuma posição teórica é imune à reutilização, mas, a menos que possamos ir além da crítica e da desconstrução e que estejamos dispostos a arriscar o projeto normativo de melhora do processo de saber, não há nenhuma esperança em neutralizar qualquer tipo de oposição. Teremos de ser capazes de explicar não somente porque a oposição à tese do aquecimento global é politicamente motivada, mas porque essa tese é no mínimo epistemicamente defensável quando comparada a outras teorias explicativas. Para além do debate em torno do aquecimento global, há debates em andamento sobre os efeitos do livre comércio sobre os pobres, sobre a capacidade de as mulheres fazerem matemática e ciências, sobre a adequação da evidência baseada em DNA para reverter condenações de pessoas que se encontram no corredor da morte e sobre as soluções reais para a crise de Aids. Nenhum destes debates pode ser enfrentado somente na esfera da metacrítica. A luta política é, em última instância, travada no plano da verdade.
A recusa à epistemologia foi motivada por falta de reflexão política da epistemologia. Isso é produto de uma rejeição da orientação individualista que a maioria das epistemologias exibe, que superenfatizam a agência individual e superestimam o autoentendimento individual. Isso é uma rejeição da tentativa da epistemologia em colonizar as reivindicações de conhecimento e a manutenção da hegemonia ocidental no domínio da racionalidade, das virtudes intelectuais e da verdade. Assim, a recusa pós-moderna da epistemologia normativa foi um corretivo ao individualismo, à descontextualização, à não reflexão política, mas, como um corretivo, ainda foi reativo, preso à dialética da resposta. Hoje podemos ir além.
A função normativa da epistemologia diz respeito não apenas à questão de como o conhecimento é produzido, de quem é autorizado a produzir, de como a presunção de credibilidade é distribuída e de como os objetos de investigação são delineados. Mais do que isso: diz respeito à forma como o conhecimento deve ser produzido, a quem deve ser autorizado, à forma como a presunção de credibilidade deve ser distribuída e à forma como podemos ganhar alguma influência politicamente reflexiva sobre as delimitações da ontologia.
O que nomeio como "obstáculo epistemológico" é, portanto, a recusa a se engajar no trabalho reconstrutivo da epistemologia para seguir além do ceticismo crítico e reconstruir a maneira de fazer verdadeiras reivindicações responsáveis pela realidade política, assim como confiáveis e adequadas à complexidade da realidade. O projeto de "mudar a geografia da razão" requer este trabalho reconstrutivo, bem como reclama de nós o desvelamento e a reavaliação dos conhecimentos rejeitados e o esclarecimento dos fundamentos de nossas próprias demandas de adequação ou de progresso epistêmico.
Alguns argumentam, entretanto, que a conclusão da crítica irá mostrar que a epistemologia é desnecessária e delirante em suas ambições. Reivindicações de conhecimento - argumenta-se - são formas de intervenção estratégica que podem mudar perspectivas, expandir possibilidades imaginárias e rearticular o bem, mas elas não devem ser pensadas como o espelho da realidade ou como se fossem dotadas de uma correspondência representacional. Isso é excessivamente cético sobre a possibilidade do conhecimento. Podemos responsavelmente reivindicar o conhecimento de que o aquecimento global é uma hipótese defensável, que o Iraque não tinha capacidade militar em 2002 e que a pobreza está recrudescendo nos Estados Unidos. Reivindicações de saber não são simples estratégias. Embora tenham inevitavelmente efeitos estratégicos que podem ser mapeados e considerados, equiparar reivindicações de conhecimento com intervenções estratégicas é ignorar seus conteúdos representacionais, relegando perigosamente isso para além de nossas apreciações.
As reivindicações de conhecimento não são totalmente governadas pela estética nem por critérios políticos, todavia tais critérios podem ser operativos e, até mesmo, decisivos em relação a algumas esperas subdeterminadas de investigação. Reivindicações de conhecimento são sempre reivindicações de verdade; assim, precisamos avaliar explicações que podem comparar teorias de justificação, da mesma forma como podemos avaliar concepções acerca do que significa dizer que alguma coisa é verdadeira. Há alguns excelentes trabalhos com este objetivo desenvolvidos por epistemólogos pós-Quine, tais como: Putnan, Brandom, McDowell, Lynch e Chery Misak. Há também excelentes trabalhos desenvolvidos por epistemólogos continentais, como Hacking, e epistemólogos pós-coloniais tais como Mignolo, Glissant, Castro-Gómez, Patricia Williams, Jennifer Vest e, é claro, profícuos trabalhos desenvolvidos por epistemólogas feministas como Nelson, Potter, Lloyd, Campbell, Harding, Haraway, entre outras. Esses trabalhos pós-coloniais e feministas não cometem o erro de individualizar a agência epistêmica nem descontextualizar a verdade, mas mostram como as considerações política podem, em alguns casos, ser legitimamente muito importantes para a justificação. Isso nos proporciona um bom ponto de partida para o projeto epistemológico decolonial e reconstrutivista, desatrelando isso de um domínio que poderia ignorar a identidade e a localização dos sujeitos de conhecimento, mantendo, contudo, sua capacidade normativa.
Realizar esse projeto de decolonizar a epistemologia requer uma explicação do relacionamento entre política e considerações normativas. Para isso precisamos desenvolver o que eu nomearia de epistemologia política. Uma epistemologia política poderia construir uma nova formulação - crítica e reconstrutivista - do projeto epistemológico, procedendo a um trabalho similar para a epistemologia da mesma forma que a economia política de Marx fez em relação à economia clássica. O projeto da economia política não significou o eclipse inteiro da economia, mas problematizou e revelou a construção de problemas centrais da economia clássica. Em outras palavras, a economia política significou uma maneira de se aproximar da economia a partir de um nível metateórico a fim de investigar como oferta e demanda são constituídas, quais estruturas criam condições para os vários papéis e as formas de agentes econômicos, quais condições são necessárias para a reificação de valores. Dessa maneira, a economia política abriu caminho para uma problemática mais ampla e para um conjunto de questões e opções. O objetivo da economia política era - e é - conduzir a um entendimento mais amplo da realidade das forças econômicas e expandir as opções para a formação econômica.
De forma semelhante, a epistemologia política poderia considerar as condições que estruturam os papéis epistêmicos, poderia revelar como a autoridade e a presunção de credibilidade são às vezes arbitrariamente distribuídas e quais condições dão vazão à ilusão de uma agência epistêmica totalmente individualizada. A epistemologia política poderia também esclarecer como algumas condições contextuais são consideradas relevantes para a questão da justificação, enquanto outras condições contextuais são consideradas completamente irrelevantes. Dessa forma, poderia abrir caminho para um entendimento mais amplo e verdadeiro do conhecimento e da verdade, bem como poderia conduzir a um conjunto amplo de opções epistêmicas que pode epistemicamente avaliar estruturas interpretativas e procedimentos de justificação. Obviamente, a epistemologia política requer uma noção de verdade fortemente normativa e substantiva contra a qual podemos julgar a inadequação das existentes reivindicações de correspondência.
Devemos ser capazes, uma vez mais, de dizer com convicção: o que está em jogo em nossa luta é não menos que a verdade sobre o mundo. Devemos, uma vez mais, ser capazes de mostrar como o fascismo e o colonialismo não têm nenhuma reverência pela verdade. Para cumprir este objetivo, uma linguagem libertadora deve ser capaz de promover explicações epistemológicas por si mesmas, justificando seus processos de justificação. O niilismo epistemológico não pode ser verificável porque não pode ser suficientemente reflexivo sobre quais reivindicações e procedimentos justificatórios estão alimentando seus próprios julgamentos teóricos e críticos. Não podemos mais colapsar conversas sobre verdade em conversas sobre estratégia ou evitar o trabalho de pensar sobre as implicações ontológicas de nossas reivindicações de verdade. O álibi para evitar o positivismo não pode mais funcionar diante do volume e da seriedade do trabalho epistemológico pós-imperialista sobre o contexto e a localização histórica da verdade e da justificação.
O projeto analético de Dussel é, em última instância, um projeto epistemológico. A demanda para se ir além da dialética é baseada na convicção de que as abordagens dialéticas são inadequadas à realidade do trabalho vivo e às condições de opressão. O senso de inadequação é moral e político porque também é epistemológico; em outras palavras, a urgência política da analética é baseada na ideia de que alguma coisa sobre a perspectiva, a experiência e o conhecimento dos oprimidos não é reconhecida pelo discurso existente. O chamado político para a mudança de como desenvolvemos e avaliamos as teorias de justiça é baseado numa reivindicação de justiça: as teorias sociais existentes atualmente não se engajam significativamente com algumas das dificuldades mais críticas encaradas pelos pobres globais. A ideia da analética é conduzida por um projeto epistêmico: alcançar um amplo, mais abrangente e mais adequado entendimento de tudo o que está relacionado com a experiência daqueles cujas experiências são frequentemente ignoradas.
Obstáculo identitário
A formulação da analética por Dussel também considera a identidade como elemento legítimo no desenvolvimento de uma nova filosofia da libertação. A formulação marxista tradicional das abstratas categorias de classe não pode dar conta da especificidade de grupos identitários tais como indígenas, pobres, pessoas "racializadas", mulheres, minorias religiosas e minorias sexuais. Como resultado, o marxismo clássico perde uma adequação explicativa: a organização do mercado de trabalho em todas as sociedades, sem mencionar as ideologias sociais, faz uso dessas identidades. Teóricos feministas e pós-coloniais tem chamado a atenção para esses pontos há décadas. Algumas das críticas mais veementes que Dussel tem recebido relacionam-se à sua invocação de tais grupos identitários, acusam-no de apresentar esses grupos como monolíticos e homogêneos, reificando, portanto, suas diferenças.
O projeto de decolonização epistemológica (e a mudança da geografia da razão) requer que prestemos atenção à identidade social não simplesmente para mostrar como o colonialismo tem, em alguns casos, criado identidades, mas também para mostrar como têm sido silenciadas e desautorizadas epistemicamente algumas formas de identidade enquanto outras têm sido fortalecidas. Assim, o projeto de decolonização epistemológica presume a importância epistêmica da identidade porque entende que experiências em diferentes localizações são distintas e que a localização importa para o conhecimento. Nossos argumentos poderão receber críticas de que mais uma vez estamos voltando à política identitária, que somos metafisicamente não sofisticados e politicamente retrógrados, uma crítica que também tem sido brandida da metrópole para as periferias da academia global. A crítica da política identitária tem mantido muitos "escravos" da acusação de um essencialismo político grosseiro e de falta de sofisticação teórica. Acredito que a inclinação anti-identidade tão prevalente na teoria social hoje é outro obstáculo para o projeto de decolonização do conhecimento, uma vez que isso debilita nossa habilidade de articular o que está errado com a hegemonia teórica do Norte global.
Além disso, muitas pessoas envolvidas em movimentos sociais por justiça têm aceitado a ideia de que a política identitária é algo diverso da luta de classes. Movimentos políticos baseados na identidade são por definição inclusivos em termos de classe, porém, mais do que isso, são vistos como sectários de uma agenda baseada em classes, como identidades propensas ao fetichismo, que apresentam identidades de um modo essencialista e a-histórico, obscurecendo o fato de as identidades serem produtos históricos e capazes de mudanças dinâmicas. Tais críticas à identidade são feitas pela direita, pelos liberais, pela esquerda, todos unidos na argumentação de que a política identitária fratura o corpo político, isto é, enfatiza as diferenças às custas das comunalidades e que seu foco sobre identidades só oferece uma política reducionista, que reduziria ou substituiria uma avaliação de uma visão política da pessoa por uma avaliação de sua identidade. Teóricos esquerdistas importantes -como Zizek e Badiou - têm recentemente se juntado àqueles que acreditam que, ao se propor a revolução social genuína, uma organização política baseada nas identidades deve ser minimizada.
O problema que os teóricos esquerdistas apresentam em relação à política identitária, entretanto, não é somente em relação ao processo de como realizaremos a revolução, mas também sobre aquilo pelo que lutamos. Alguns imaginam que novas comunidades idealizadas darão muito menos ênfase a diferenças étnicas e raciais, diferenças que veem como resultantes inteiramente ou quase inteiramente de estruturas de opressão tais como o escravismo e o colonialismo. O colonialismo cria e reifica identidades como meio de administrar povos e estabelecer hierarquias entre eles. Por isso muitos acreditam que devemos postular como objetivo um futuro no qual as identidades criadas pelo colonialismo possam dissolver-se. Por essa razão, Nancy Fraser articula nossos objetivos de longo prazo como socialismo na economia e desconstrutivismo na cultura. [Mas, adverte ela:] para que esse cenário seja psicológica e politicamente factível requer-se que todos os povos sejam afastados de suas ligações com as construções culturais atuais dos seus interesse e identidades (Fraser, 1997: 31).
Gostaria de trazer as duas afirmações seguintes para a análise: 1. Quais políticas identitárias são, em todos os casos, divisionistas? 2. Quais identidades sociais são indesejáveis para o futuro? Tal rejeição monolítica das políticas identitárias baseia-se num entendimento particular sobre o que as identidades são. Abordarei brevemente estas duas questões.
Para lidar com as preocupações sobre classe, precisamos, primeiramente, entender corretamente o relacionamento entre identidades sociais tais como raça, etnicidade e gênero, de um lado, e classe, de outro. A ideia de classe "pura" imaculada pela raça e pelo gênero pode parecer um antigo resquício do reducionismo de classes anterior à reforma teórica feita pelas feministas marxistas e pelos teóricos de relações raciais, mas o reducionismo classista está desfrutando de um renovado ressurgimento. Por exemplo, no trabalho de Fraser, uma das mais influentes teóricas sociais da atualidade, os embates políticos em torno da classe são analiticamente separáveis dos confrontos políticos em torno das identidades sociais e culturais. Em sua análise das lutas baseadas em identidades, Fraser separa o que ela chama de demandas por redistribuição e demandas por identidades. Demandas por redistribuição são lutas materiais em torno da alocação de recursos como aqueles realizados pelo trabalho e pelos pobres, enquanto demandas por reconhecimento são lutas culturais em torno da identidade.
À primeira vista, seus argumentos parecem persuasivos. Ela argumenta que os movimentos por redistribuição frequentemente merecem nossos apoios, enquanto movimentos por reconhecimento e, até mesmo, de afirmação de identidade podem desviar energia política escassa e conduzir a inúmeros problemas políticos (por exemplo: separatismo). Mas, se formos além da plausibilidade superficial, constatamos que sua explicação pressupõe a possibilidade de separação analítica entre classe e identidades sociais, isto é, pressupõe que podemos definir e explicar classe antes ou à parte do racismo e sexismo. Como exemplo de uma "demanda pura por distribuição", Fraser dá o exemplo de um homem, branco e profissional qualificado, que se torna desempregado devido ao fechamento de uma fábrica em decorrência de uma fusão corporativa especulativa. Neste caso, ela diz:
A injustiça da má distribuição (isto é, o trabalhador que foi despedido) tem pouco a ver com a falta de reconhecimento. Isso é mais consequência de imperativos intrínsecos a uma ordem de relações econômicas especializadas cuja raison d'être é a acumulação de lucros. Para lidar com tais casos, uma teoria da justiça deve ir além do padrão dos valores culturais e examinar a estrutura do capitalismo; deve indagar se os mecanismos econômicos que são relativamente dissociados da estrutura de prestígio e que operam de uma maneira relativamente autônoma obstruem a paridade da participação na vida social (Fraser, 2003: 35).
Mas a realidade, aqui, é que gera lucro transferir a produção (ou terceirizar) de um segmento do trabalho para outro - isto é, de trabalhadores homens brancos para um segmento menos remunerado ou para outro posto dentro ou fora do país - devido à segmentação do mercado de trabalho por raça, etnicidade, gênero, identidade cultural, nacionalidade e localização geográfica. Portanto, a diretiva primordial do capitalismo opera através da segmentação do mercado de trabalho por identidades. Minorias nacionais frequentemente formam, querendo ou não, um "segmento de classe atribuída" que o economista Mario Barrera definiu mais de vinte anos atrás como parte da classe que é destacada do resto da classe por algumas características pessoais prontamente identificáveis e relativamente estáveis atribuídas a pessoas relegadas a esse segmento, tais como raça, etnicidade ou sexo e cujo status em relação aos meios e processos de produção é afetado por tal demarcação (Barrera, 1979: 212).
Em verdade, não há demandas "puras" de classe: há demandas de trabalhadores especializados ou não especializados, de comerciantes ou prestadores de serviço, de trabalhadores migrantes, de mulheres trabalhadoras etc. Às vezes, esses grupos podem formar uma causa comum, mas o projeto de fazer algo em comum demandará um claro entendimento de como identidades intercedem nas relações de classe para produzir hierarquias específicas no local de trabalho e nos conflitos de interesse. O reducionismo de classe defenderá que o conflito se dissolverá se nos afastarmos de nossos apegos à identidade. É exatamente dessa forma que a esquerda conspira com a direita ao retratar a política de grupos étnicos como uma agenda de interesses especiais com líderes oportunistas que nunca levam em consideração os interesses comuns.
Entretanto, precisamos olhar de outra maneira para a suposição de que identidades politicamente mobilizadas são por natureza exclusivas e se inclinam para o separatismo. Quando se vai além do anedótico para o empírico, simplesmente não há suficientes evidências para a incondicionalidade com a qual os críticos da identidade têm presumido que identidades fortes sempre tendem ao separatismo. Certamente há problemas com construções essencialistas de identidades e formulações demasiadamente estreitas de alianças políticas, mas esses problemas resultam mais de certas interpretações da identidade do que propriamente do efeito automático de um forte senso de solidariedade e coesão de grupo. Já que há inúmeros exemplos, só mencionarei alguns.
Na Pesquisa Nacional de Política Negra conduzida entre 1993-1994, primeira enquete de massa sobre a opinião política de afro-americanos conduzida nos Estados Unidos, um dos mais notáveis achados foi um alto grau de crença no que teóricos políticos chamam de "destinos conectados": o que geralmente ocorre às pessoas em seu grupo identitário - neste caso, o grupo racial - afetará significantemente suas vidas (Dawson, 1994). Pesquisadores descobriram que o alto nível de identificação grupal existente entre afro-americanos não apresenta indicadores sobre uma correlação com uma política "racializada" separatista ou uma tendência a rejeitar esforços de coalizão. Respostas positivas sobre a crença em "destinos conectados" registraram mais de 80%; já as respostas positivas relacionadas ao separatismo político ficaram abaixo dos 30%.
Em outro estudo, o cientista político José E. Cruz recentemente analisou o Comitê Porto-riquenho de Ação Política em Hartford (Connecticut) como um estudo de caso sobre política identitária. Esse comitê adotou a mobilização étnica como "meio de alcançar representação e de negociar benefícios individuais e coletivos" (Cruz, 1998: 6), unindo de forma típica as demandas por reconhecimento com as demandas por redistribuição. De fato, suas organizações baseadas na identidade não conduziram ao separatismo, mas, ao invés disso, foram um elemento chave para o fortalecimento da mobilização política e do envolvimento dos porto-riquenhos na política de Hartford (ver Cruz, 1998: 12). A política identitária não "reificou a vitimização", mas, ao contrário, "encorajou os indivíduos a superarem a passividade" precisamente mediante a rearticulação da "autoimagem" e a demanda de "acesso igualitário às posições de responsabilidade dentro da sociedade política e civil" (Cruz, 1998: 12). Assim, Cruz defende que a organização política baseada na identidade do comitê resultou em um aumento significativo na participação eleitoral e na representação política de porto-riquenhos não somente na cidade de Hartford, mas em todo o estado de Connecticut. A própria possibilidade de coalizão entre a comunidade de negros e de brancos de Hartford exigiu essa mobilização e esse envolvimento político.
Estudo de Renato Rosaldo e do Grupo de Trabalho de Estudos Culturais Latinos, que fizeram pesquisas etnográficas em cinco estados - a exemplo dos estudos realizados pelos cientistas políticos Omar Encarnación, na América Latina, e Manuel Castells, ao redor do globo - indicam resultados semelhantes. Esses achados empíricos de estudos de resultados diversos de organizações políticas baseadas em identidades sugerem claramente que precisamos de uma explicação da natureza das identidades melhor do que aquelas que encontramos entre os críticos. Identidades fortemente observadas na realidade não conduzem uniformemente aos desastres políticos que os críticos pressagiam porque as identidades não são na realidade o que os críticos entendem que sejam. Dito isso, o que precisamos não é de um repúdio global e geral da identidade e das políticas identitárias, mas de uma análise de quando, sob quais condições e em que contextos os movimentos baseados em identidades se tornam disfuncionalmente estreitos e conformistas, ao invés de uma análise que suponha uma lógica inevitável das identidades.
Podemos definir identidade de maneira mais perspicaz como experiências vivenciadas localizadas e posicionadas por meio das quais tanto indivíduos como coletivos trabalham para construir um sentido em relação às suas experiências e às narrativas históricas. Satya Mohanty, por exemplo, tem defendido que construções identitárias proporcionam narrativas que explicam as conexões entre memórias históricas coletivas e experiências contemporâneas individuais, as quais criam estruturas unificadas que tornam inteligíveis as experiências e assim ajudam no mapeamento do mundo social (ver Mohanty, 1997). Designações identitárias são como pequenas teorias cujas adequações à experiência podem ser julgadas, testadas e avaliadas.
Identidades não são vividas como um conjunto discreto e estável de interesses com determinadas implicações políticas, mas como uma localização na qual a pessoa possui vínculos com eventos e comunidades históricos e a partir dos quais se engaja em um processo de construção de sentidos e, portanto, de onde obtém uma janela para o mundo. Na medida em que identidades acarretam a construção de sentido, sempre haverá interpretações alternativas dos sentidos associados à identidade. E ainda, o self opera num plano situado que pode ser culturalmente localizado com grande especificidade, mesmo que isto esteja aberto a um futuro indeterminado e a um passado reinterpretável, que não é criado por ele mesmo. O self sempre carrega consigo o horizonte de experiências e história como localização específica, com conteúdo substantivo - como, por exemplo, uma relação especificável com o holocausto, a escravidão, com o encontro de 1492, e assim por diante - mas cujo conteúdo somente existe em interpretação e em contínuo movimento.
Há também uma importante implicação epistêmica da identidade. Em sociedades estratificadas, indivíduos diferentemente identificados nem sempre têm o mesmo acesso a pontos de vistas e a planos de observação perceptivos a partir dos quais certos aspectos ou dimensões da realidade são visíveis. Dois indivíduos podem participar do mesmo evento, mas podem ter acesso a diferentes aspectos do fato. Portanto, a identidade social é relevante para o julgamento epistemológico não porque a identidade determina o julgamento, mas porque a identidade pode, em algumas instâncias, produzir o acesso à percepção dos fatos que podem ser relevantes para a formulação de várias reivindicações de conhecimento. A identidade social funciona, então, como um grosseiro e falível, mas também útil, indicador das diferenças no acesso às percepções.
Esse tipo de explicação hermenêutica descritiva das identidades sociais é mais fiel à experiência vivida e auxilia no esclarecimento de suas reais implicações políticas e epistêmicas do que a teoria das identidades considerada como roteiro que circunscreve a liberdade ou a noção de que as identidades são simplesmente imposição de poder de cima para baixo. Com essa abordagem, podemos ver agora que, como abertura para o mundo, diferentes identidades não são a priori conflitivas. Diferentes aspectos de horizonte são naturalmente compartilhados por diferentes posições e nenhum aspecto vem com um conjunto pronto e estável de visões políticas. O que é compartilhado dentro de um horizonte é a necessidade de resolver, de alguma forma, mesmo pela luta, a localização histórica e as experiências históricas associadas a um determinado grupo identitário com o qual vínculos concretos foram estabelecidos.
Em razão disso, e dado que as identidades marcam sua posição social, as diferenças epistêmicas entre identidades não são mais bem entendidas como correlacionadas a diferenças de conhecimento, já que o conhecimento é, em parte, um produto de um histórico de presunções e valores que geralmente não são agrupados como categorias identitárias. Ao contrário, a diferença epistêmica está no que se pode ver a partir de um ponto de vista vantajoso. O que uma pessoa pode ver subdetermina o conhecimento ou articula interesses, mas a correlação entre possibilidades de percepção e identidades requer que levemos a identidade em consideração ao formularmos corpos de tomada de decisão ou instituições de produção do conhecimento.
CONCLUSÃO
Enrique Dussel e Sylvia Wynter corretamente invocam a necessidade de uma nova epistemologia da libertação. Argumentei que essa nova epistemologia deve ser capaz de abordar a verdade e o projeto normativo de aprimorar a produção do conhecimento. Além disso, o projeto normativo por si mesmo requer a rearticulação do relacionamento entre identidade e conhecimento, tal como sugeri. Se quisermos estabelecer que o posicionamento social faz uma diferença epistemicamente relevante, devemos ser capazes de articular a razão e a forma como isso ocorre. Gostaria de concluir recorrendo novamente à necessidade de um novo léxico libertador.
O mais importante legado dos chamados novos movimentos sociais para a academia foi uma onda de demanda por diversidade. Frente a isso, a libertação não mais poderia ser formulada em nome de uma simples e homogênea classe. Dentro da academia, esses movimentos assumiram a forma de demandas por uma agenda de pesquisa libertadora que poderia ser produzida mediante a criação e a institucionalização de programas de investigação em estudos feministas e de gênero, estudos lésbicos, gays, bissexuais e transgêneros, estudos étnico-raciais, estudos pós-coloniais e, mais recentemente, estudos sobre deficiência. A omissão e a distorção de pesquisas e investigações sobre largas áreas da experiência humana requerem uma reforma disciplinar e institucional, incluindo novas metodologias de investigação.
O que estamos testemunhando, nas duas últimas décadas, é uma lenta corrosão do discurso que fundamentou as demandas por essas novas áreas de estudo. Em outras palavras: o fundamento intelectual para a demanda por decolonizar a academia tem sido erodido pela cética filosofia pós-moderna que tem questionado termos fundantes como humanismo, identidade, progresso, verdade e libertação. Reconheço que o pós-modernismo é um movimento que tornou acessível novas maneiras de diagnosticar as causas da opressão e possibilitou críticas à dominação, mas resultou também - particularmente nas humanidades - em uma desmoralização e confusão sobre o que une nossas diversas constituições, sobre as linguagens a serem utilizadas para realizar as demandas e para qual visão de futuro estamos trabalhando, assim como tem colocado em questão nossa própria capacidade de invocar um "Nós".
Acredito que precisamos hoje reinvocar aquele "nós" que incluiria todos os grupos que são alvo de formas de opressão baseadas na identidade. Também precisamos considerar sobre quais fundamentos intelectuais e políticos podemos responsavelmente basear nossas alianças e formular uma vez mais uma agenda unificada plausível para o trabalho acadêmico. Isso não pode ser baseado em um retorno a uma ingenuidade teórica dos anos 1960. Antes, precisamos de novas articulações de identidades e conhecimentos, articulações com uma grande reflexividade histórica e contextual, articulações que possam justamente explicar porque a decolonização ainda não foi suficiente na academia, porque isso ainda não foi foco de preocupações acadêmicas e epistêmicas e como, concretamente, podemos revisar e reformar nossas epistemologias em tempo para a próxima revolução.
REFERÊNCIAS
BARRERA, Mario. Race and class in the Southwest: a theory of racial inequality. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1979.
CRUZ, José E. Identity and power: Puerto Rican politics and the challenge of ethnicity. Philadelphia: Temple University Press, 1998.
DAWSON, Michael C. Behind the mule: race and class in African-American politics. Princeton: Princeton University Press, 1994.
FRASER, Nancy. Justice interruptus: critical reflections on the "postsocialist" condition. New York: Routledge, 1997.
DUSSEL, Enrique. A produção teórica de Marx: um comentário aos Grundrisse. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
---- . Philosophy of liberation. New York: Orbis Books, 1995.
FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. Redistribution or recognition? A political philosophical exchange. London: Verso, 2003.
HOLLIMAN, Daniel; BROWN, Robert A. "A nation within a nation": racial identity, self-help, and african american economic attitudes at the end of the twentieth century. Paper delivered at the Annual Meeting of the American Political Science Association, Washington (DC), 1997.
LATOUR, Bruno. Why has critique run out of steam? From matters of fact to matters of concern. Critical Inquiry, v. 30, p. 225-248, 2004.
MOHANTY, Satya. Literary theory and the claims of history. Ithaca (NY): Cornell University Press, 1997.
WYNTER, Sylvia. Beyond liberal and marxista leninista feminisms: towards an autonomous frame of reference. San Francisco: Institute for Research on Women and Gender, 1982.
Fonte: http://www.scielo.br/pdf/se/v31n1/0102-6992-se-31-01-00129.pdf